Poesia do modernismo
Mário da Silva Brito
Editora Civilização Brasileira, 247 pgs.
Com orelha de Fausto Cunha, êsse volume possui bastante interêsse, mormente sob o aspecto de divulgação sintética, porém quase completa, do que foi a poesia modernista no Brasil. Mário da Silva Brito, aliás, é uma das grandes autoridades no assunto, como o demonstram as suas obras anteriores; um pesquisador minucioso, aparelhado por valiosa documentação. O próprio autor do livro faz um ensaio introdutório, dando em linhas gerais a história do movimento e suas fundamentações estéticas, além das várias correntes literárias que tiveram, no modernismo, um ponta inicialmente de convergência e, finalmente, de divergência.
Os grandes poetas do modernismo presentes: Mário e Oswald de Andrade, Luis Aranha, Manoel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade. O caso de Jorge de Lima, Cecília Meireles, Cassiano Ricardo, Murilo Mendes ou Vinicius de Morais - também presentes - é algo diverso: embora possuam quase todos a sua fase ou face 22, a melhor parte da obra dêles se consumou deslocada pelo menos estruturalmente do conjunto de princípies essenciais que animaram o primeiro pontapé daquela renovação.
Aqui figuram alguns poemas-chave de tôda uma época de ebulição cultural. De Mário de Andrade, a presença obrigatória do poema
Ode ao Burguês. De Oswald, embora não julguemos que figuram os seus maiores acertos, está representada a tendência básica dos seus versos em sucessão, de tomadas. Acreditamos que a radicalidade de O. A. não fique expressa nessa antologia. No tocante a Carlos Drummond de Andrade, a escolha está, em nosso entendimento, precisa, apesar de faltar
A Flor e a Náusea: figuram a
Pedra no Meio do Caminho,
Dentaduras Duplas,
Nosso Tempo,
Como um Presente e
A Máquina do Mundo, êste último um dos grandes poemas da língua. Já com relação a Bandeira, se existe a seleção praticamente obrigatória de peças como
Vou me Embora Pra Pasárgada ou
Estrêla da Manhã, é um lapso a ausência de poemas-pílula, como
Andorinha ou
Pneumotórax, que marcam o aspecto típico de saber construir um lirismo sintético do cotidiano, no primeiro exemplo, ou um flash colloquial de humor negro, no segundo. De Luís Aranha, vem inserido um trecho do seu Poema Pitágoras. Apesar de não haver publicado nenhum livro, foi uma espécie de poeta precursor do movimento, com quatro poemas longos e antológicos, destacando-se já em 1921:
Poema Pitágoras,
Poema Giratório,
Poema Pneumático e
Drogaria do Éter e da Sombra. Aliás, é uma sugestão a ser examinada com urgência: a edição de uma pequena obra completa de Luís Aranha, assim como foi feito no caso de Mário Faustino.
Boa contribuição ainda se nota com os seguintes autores e obras selecionados: a montagem e a numeração algo construtivista do
Nós, de Guilherme de Almeida; o fragmento de
Toda a América, de Ronald de Carvalho; o
Tangolomango, uma das coisas mais originais de Menetti Del Picchia, em lugar do
vers libre, obedecendo a redondilha maior; o poeta de Cataguases, Ascânio Lopes, morto prematuramente;
O Defunto, de Pedro Nava, incluído desde a primeira edição, na
Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, de Manuel Bandeira; assim também, extraído da citada antologia, reaparece o notável
A Cachorra, de Pedro Dantas, um dos poemas de paixão-horror mais furiosos e pungentes, martelado com a reiteração do pretérito· perfeito da primeira conjugação e sob uma certa influência de Augusto dos Anjos.
Poesia do Modernismo: livro bom, útil como documentação e para os não· iniciados no assunto.
PS: A propósito de Luís Aranha, faremos uma ligeira ressalva para quem, por acaso, leu na revista
Mirante das Artes uma afirmação mentirosa do sr. Mário Chamie, dizendo que somente depois que êle publicou, em 1965, um artigo na revista
Convivium, passamos a nos interessar pelo autor do
Poema Pneumático. Acontece que, sob o título de
Um Poeta Esquecido, publiquei aqui, no CORREIO DA MANHÃ, em 24 de março de 1962 (portanto, mais de três anos antes), um artigo, onde' analisava a poesia de Luís Aranha e procurava evidenciar o seu aspecto até pioneiro dentro do modernismo. Como autopublicitário, vê-se, que o sr. Chamie continua demasiado primário.
Correio da Manhã
06/04/1968