jlg
literatura

  rj  
Antologia da poesia francesa ignora surrealistas

Livro reune 150 poemas com o melhor da produção de autores que vão de anônimos como Paul Valéry, mas deixa de for a nomes importantes como o de André Breton.

Partindo do século IX, com a Cantilène de Saint Eulalie (Cantilena de Santa Eulália), de autor anônimo, até chegar ao século atual, a Antologia da Poesia Francesa, com organização e traduções de Clâudio Veiga, é das mais abrangentes que já tivemos. Trata-se de edição bilingüe, onde o leitor poderá mais uma vez comprovar a necessidade de ser um tradutor também um traidor. Caso contrário, a nau das versões perde o rumo.
Professor de literatura Francesa na Universidade da Bahia, Cláudio Veiga já havia publicado 15 livros de assuntos variados, inclusive Mini-Antologia Bilingüe da Poesia Francesa, em 1972. O lançamento de agora tem um prefácio de Jacques Salah - consul da França na Bahia - além de uma introdução - Panorama da Poesia Francesa - e um apêndice - A Tradução da Poesia Francesa no Brasil - consumados pelo autor.
Numa antologia de tal porte, a conter nada menos do que 150 poemas, notamos; no mínimo, duas austências peso: Tristan Corbière, um quase contemporâneo dos simbolistas, redescoberta por Ezra Pound e, do qual, existem algumas preciosas traduções de Augusto de Campos, e André Breton, pai principal da literatura surrealista. Aliás, note-se, nesta antologia, com relação ao século atual, inexistem obras surrealistas ou mesmo dadaístas - o que se nos configura uma lacuna em matéria de amostragem da poesia francesa.
Em muitas das traduções as rimas são abandonadas e permanecem apenas os versos brancos. Em muitas outras, obedecendo às normas da rima e da metrificação, o autor é obrigado a trair. Trair no bom sentido: é o que fazemos todos nós, tradutores de poemas. Sabe-se que é melhor providenciar inevitáveis alterações semântiças do que romper a estrutura do original, que pode ser mantida mediante analogia e, não, por semelhança. Veja-se, logo de saída, no caso de Charles d'Orléans: "Écolier de Mélancolie" por "Eu sou aluno da Tristeza" ou, no fecho de Priez Pour Paix, Douce Vierge Marie (Ó, Pedi Pela Paz, Virgem Maria), "le vrai trésor de joie" por "fortuna desta vida".
Um dos maiores e mais famosos poemas de François Villon, Ballade des Dames du Temps Jadis (Balada das Damas Doutros Tempos), aqui ressurge em nova tradução (houve uma recente de Sebastião Uchoa Leite). Mas é uma peça cuja musicalidade inibe. E, especialmente, depois que Georges Brassens (este sim - um dos grandes poetas franceses do século atual) musicou-a e, em decorrência, transformou o texto de Villon na letra de uma bela chanson, naquele ritmo monocórdico proveniente da linhagem medieval. Chegando à época da Plêiade, se o tradutor não acerta integralmente os ponteiros com Du Bellay (mas Se ao Pé da Eternidade Nossa Vida... vale a pena), brilha no entanto com Ronsard, nos três sonetos: Qual no Ramo Se Vê..., O Ramo que vos Dou e, principalmente, Cumpre Deixar Mansao, com o seu terceto final em touchstone: "Deixando aqui morrer seus despojos de lama/ De que a fortuna ri, o fado e sua trama/ Pra ser, livre do corpo, espírito somente", Para o português mediante a inversão "Longo poema vale um soneto sem falha" parece-nos um excesso de tradição a fim de manter o alexandrino. Pois o notável é um soneto sem falha valer um longo poema e, nunca, o contrário; a recíproca não traz vantagem.
Saltando o inexpressivo século XVIII, entramos no XIX, com os românticos. Lá estão os indefectíveis Lamartine, Musset, Vigny e Victor Hugo (este com boas traduções). Mas os românticos franceses não são grandes poetas, são nitidamente inferiores aos ingleses e alemães, não possuem a alta dicção ou voltagem metafórica. Aliás, em Minhas Duas Filhas, a palavra "folgazãs" soa mal para Victor Hugo. O mais interessante deles é mesmo Gérard de Nerval, aqui representado por El Desdichado, Delfica e Artémis. O primeiro destes sonetos já foi traduzido por Augusto de Campos há mais de 35 anos e também recentemente por Alexei Bueno, que também traduziu os outros dois. Valeria comparar tudo.
No tocante a Baudelaire, do qual Cláudio Veiga extraiu oito poemas, para efeito de cotejo, existe a tradução completa de Les Fleurs du Mal, feita por Ivan Junqueira há poucos anos, num apreciável tour de force. E, quanto ao Spleen LXXVIII, existem várias outras versões, além de um importante estudo de Roman Jakobson, na revista Tel Quel, nº 29. Com relação a Mallarmé, existem identicamente muitas traduções dos poemas que escolheu, sendo que Augusto de Campos abordou todos eles. No caso do soneto do cisne, no verso de abertura - "hoje o dia vivaz, virgem e luzidio" - o dodecassílabo (pretenso alexandrino) está com acentuação na sétima. Não convém.
Ainda para efeito de comparação, Augusto de Campos traduziu a Arte Poética, de Verlaine, e As Romãs, de Valéry, presentes nesta antologia. Enfim, o século XX, apesar das ausências registradas, está representado por muitos autores, num livro que dá a sua contribuição de peso para a literatura.


Les Grenades

Dures grenades entrouvertes
Cédant à l’excès de vos grains,
Je crois voir des fronts souverains
Eclatés de leurs découvertes!

Si les soleils par vous subis,
O grenades entrebâillées,
Vous ont fait d’orgueil trabaillées
Craquer les cloisons de rubis,

Et que si l’or sec de l’écorce
A la demande d’une force
Crève en gemmes rouges de jus

Cette lumineuse rupture
Fait rêver une âme que j’eus
De sa secrete architecture

(Poema de Paul Valéry


As Romãs

Duras romãs entreabertas
Cedendo a excesso de sementes,
Eu creio ver frontes ardentes
Rotas em suas descobertas!

Se o ardor do sol ressentis,
Romãs que estais desabrochadas,
Voz fez de orgulho trabalhadas
Rasgar o estojo de rubis,

E se a dourada vestimenta
Por um impulso compelida
Em gemas rubras arrebenta,

Essa luminosa ruptura
Me faz sonhar a alma nascida
De sua esconsa arquitetura

(Tradução de Cláudio Veiga)

-------------------


Simbolista
José Lino Grünewald

O poeta que influenciou Eliot

O humor nem sempre é sinal de riqueza: Jules Laforgue – talvez o maior e mais requintado exemplo de ironia, sátira, autocrítica ou refinada melancholia dentro da poesia francesa – morreu moço e pobre.
Nasceu a 16 de agosto de 1860 em Montevidéu (Uruguai mesmo) e morreu a 20 de agosto de 1887, em Paris: tuberculose, uma doença então liríca, porém fatal. A parte final de sua vida se passou quase que inteiramente na Alemanha, pois, em 1881, assumiu a função de leitor da imperatriz Augusta, casada com Guilherme 1º. Retornou a Paris em 1886, havendo ficado três dias em Londres, onde se casou.
Vida breve, mas arte suficiente para influenciar os dois maiores nomes da poesia em língua inglesa deste século: Ezra Pound e T. S. Eliot. O primeiro deles foi o redescobridor de Laforgue, pelo menos desde 1917, no ensaio Irony, Laforgue and Some Satire (Ironia, Laforgue e Alguma Sátira); seria o grande representante moderno daquilo que o autor dos Cantos entendia por logopéia, ou seja, “a dança do intelecto entre palavras”. Quanto a Eliot, nunca deixou de reconhecer a influência do mesmo Laforgue em sua obra, pelo menos em poemas marcantes como The Love Song of J. Alfred Prufreck, Portrait of a Lady ou Mr. Appolinax. E até mesmo o grandioso The Waste Land oferece trilhas pelo estilo colloquial do autor das Complatintes.
Os pierrôs, a lua, os lamenios, o inverno – eis algumas das constantes de um poeta rico também em trocadilho, rimas-surpresa e frases desconcertantes. Aquele a quem Hubert Juin chamou de Hamlet lunar, que I. A. Richards considerou como o “equilíbrio de impulsos opostos” ou que Wallace Fowlie apontou como a “projeção mandarim”. E vale lembrar que Laforgue, logo após Gustavo Kahn, foi um dos iniciadores do vers livro. Na sua antologia, Cláudio Veiga traduz Couchant D’Hiver (Pôr-Do-Sol de Inverno), em versos alexandrinos, num tour de force em torno do “cerveau pourro” que foi a terra, um dia.

Serviço
Antologia da Poesia Francesa organizado e editado por Cláudio Veiga, Editora Record, 460 páginas, Cr$ 4.890,00

O Estado de S. Paulo
06/06/1991

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
Tribuna da Imprensa 04/06/1960

O último livro de Cabral: “Quaderna”
Tribuna da Imprensa 06/08/1960

Cinema e Literatura
Correio da Manhã 07/10/1961

Um poeta esquecido
Correio da Manhã 24/03/1962

A Grande Tradição Metafísica
Correio da Manhã 05/05/1962

Reta, direto e concreto
Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

165 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|