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Pound & Laforgue

Uma engenhosa tessitura rítmica, correlacionada com um permanente metamorfismo da linguagem deram à poesia de Jules Laforgue características extremamente pessoais. E, morto aos 27 anos, em 1887, o seu mood, já na segunda década do século XX, havia atravessado a Mancha e influenciava alguns dos grandes poetas da língua inglesa. Basta citar Pound e Eliot, ambos americanos, ambos na Inglaterra naquela época, o primeiro procurando promover o lançamento do segundo, através de Prufrock e Portrait of a Lady. Pound Sustentava um elevado apreço pela obra de Laforgue – incluía-o entre os autores cuja leitura era básica. Para ele, o poeta Frances era um exemplo preciso da logopéia (“a dança do intelecto entre palavras”) e possuía, na medida precisa, o dom da ironia, do qual muitos poucos sabem fazer o devido uso mediante o verso. Em um artigo, publicado na revista “Poetry”, em 1917, Irony, Laforgue and some Satire, assim comentava: “Eu creio que Laforgue implica definitivamente com determinadas coisas que na prosa chegavam ao fim. Acho também que ele demarca a nova fase na poesia francesa posterior a Gautier. Parece-me que, sem existir familiaridade com Laforgue, é impossível apreciar, isto é, fixar o valor de alguns positivos e de alguns negativos na poesia francesa, desde 1890. É um artista imcomparável. É, em nove décimos de sua personalidade, um critico – a lidar, na maioria das vezes, com clichês e posturas literárias, tomando-os como assunto seu; e – isso é o importante, quando pensamos nele como um poeta – torna-os um veículo de expressão de suas próprias emoções muito pessoais, de sua própria e imperturbável sinceridade.” Posteriormente, numa carta a William Carlos Williams, datada de 1920, Pound referia-se ao esforço que Eliot vinha empreendendo a fim de se livrar da imitação de Laforgue. Essa influência absorvente que sofreu o autor de The Wate Land, é especialmente na primeira fase de sua atividade criativa, é reconhecida até hoje. George Williamson, em seu volume – A Reader’s Guide to T. S. Eliot – corrobora tudo isso: “for Laforgue has inspired Eliot in method and verse, not to say mood”.
“Se meu aspecto lhe diz algo / Erraria em se importunar / Não o faço para posar; / Sou a Mulher, e me conhecem.” Seria interessante, ao invocar-se a primeira quadra de um dos poemas mais famosos de Laforgue – Notre Petite Compagne – constatar o fato de que três grandes poetas norte-americanos criaram composições sob o titulo “Retrato de uma Dama”. O impulso da ironia e sátira, sob uma técnica refinada do emprego do coloquial, forjam uma espécie de distorção lírica, a serviço de uma saga do eterno feminino. E a destruição desse mito, vazado em toda um simbologia da atitude passiva, do poder paradoxal de uma fragilidade inexpugnável, corresponde plena e cronologicamente a um movimente de infra-estrutura: o avanço da segunda revolução industrial e o acesso da mulher ao trabalho. E nessa etapa decisiva, a frustaçnao de uma intelectualidade marginal, à la recherche d’un romanesque perdu, é ferinamente criticada. Certo, uma Gertrude Stein, uma Marianne Moore (também, em sua poesia, trazendo ressonansias laforgueanas) ou uma Emily Dickson, para não citar, hoje em dia, uma Susanne Langer ou um Simone de Beauvoir, jamais seriam modelos para esses “retratos”. Mas constituem as exceções de praxe numa regra que possui seus fundamentos sociais. Pois, é certo também, que o acesso a uma maior liberdade existencial não confere, de imediato, a liberdade essencial. O salto qualitativo do estágio da moralidade para o da amoralidade não se consuma ao tempo de um simples abrir de olhos: dentro dele, haveria um salto acessório, da emancipação pura para a responsabilidade. A ironia daqueles artistas, objetivou, num estilo telegráfico, um complexo de situações e fez de alvo uma série de padrões de comportamento.
A Portrait of a Lady de William Carlos Williams – ação & concentração rítmico-imagética – consiste uma contrapartida visual aos poemas de Eliot e Pound: a fanopéia predomina sobre a logopéia. Encontramos o uso do coloquial, porém subordinado a um clima de evocações que bem evidenciam o fluxo aleatório da memória. “Tuas coxas – macieiras / cujas flores roçam o céu / Que céu? O céu - / onde a sandália de uma dama / pendurou Watteau.” O mood de “Bull” Williams segue algumas ligeiras rajadas de arrancos do subconsciente: o retrato não está objetivado e, sim, interiorizado nas insólitas sugestões visuais do próprio poeta. Já, em Eliot, apesar das alusões entrecortadas num tônus reticente, a objetivação é nítida, o rictos laforgueano uma constante. Com uma epígrafe extraída do Jew of Malta, de Marlowe, desenvolvem-se as sutilizas do jogo do intelecto, aquelas filigranas da acuidade de espírito que modulam um contexto harmônico de contrastes. Trechos de diálogos mesclam-se com a narrativa, num processo sinuoso de montagem, que finaliza com uma indagação. Sob esse aspecto, e no concernente a determinadas afinidades temático-estilísticas, lembra muito o Autre Complainte de Lord Pierrot: “C’était donc sérieux?” – “And should I have the right to smile?”
Ezra Pound, envergando através de Laforgue uma das suas dezenas de máscaras usadas em Personae, já, de início, lança o titulo do seu poema na língua da matriz, Portrait D’Une Femme. É frontal em sua atitude, escreve-o à moda de. Seria curioso, no entanto, ressaltar que, embora a sua dívida e também haver traduzido um dos inúmeros Pierrots, não apresenta a mesma finuta do wit eliotiano – leveza, requinte, elegância. Pound, por temperamento e formação, é antes um Villon e, por isso, o seu grande poema – Mauberley – coerente com a linhagem, ela mais sob Corbière do que sob Laforgue. Contudo, essa fidelidade a si próprio, representando uma adulteração parcial da máscara, proporcionou a Portrait D’Une Femme uma dimensão peculiar que não se encontra nos outros. Uns rasgos de veemência do autos dos Cantares marchetam, aqui e ali, a fluência da ironia, propiciando-lhe uma cadência alegórica que extravaza os limites intimistas. E lá encontramos, na tradição do verso conceitual, uma das inúmeras touchstones de EP, ao referir-se a um tipo de mentalidade-padrão do bom burguês: “One average mind – with one thought less, each year” (Uma inteligência media – com um pensamento a menos cada ano). A recorrência simbólica do mar banha todas as imagens evocativas que delineiam o perfil da femme, cunhando um modelo de estado-espírito, fundando uma semi-intelectualidade marginal à verdadeira dinâmica da kulchur e que viceja, também em sua disponibilidade afetiva, por todas a latitudes onde existiam os chamados meios literários. Ao contrario de Eliot, mais indireto em seu retrato, sugerindo-o mediante um desfilar de possíveis conversas e situações, o de Pound recai diretamente sobre a pessoa. Procuramos verte-lo para o português, nesta tradução:

Portrait d’une femme

Tua mente e tu são o nosso mar Sargaço
Londres te revolveu nestes anos marcados
E luzentes navios legaram-te por paga
Uns resquícios esparsos: idéias, lembranças,
Insólitas antenas de omnisciência,
Ensombrecidos brindes em retribuição.
Muitos homens de espírito a ti acorreram –
A falta de quem. Foste só segunda. Trágico?
Não. Isso preferiste ao lugar comum:
Um ser vulgar, submisso, uma inteligência media
E com um pensamento a menos a cada ano.
Ó, sei que és paciente e já te vi imersa
Durante horas, quando algo poderia aflorar.
E agora pagas. Sim, sobejamente pagas.
Tu és uma pessoa de certo interesse,
Alguém chega-se a ti e leva um lucro estranho:
Troféus içados; uma opinião peculiar;
Eventos sem sentido e uma história ou duas
Grávidas de mandrágoras, ou com mais coisas
Que podiam ser úteis, porém nunca o são,
Vazios jamais preenchem ou uso denotam,
Nem encontram sua hora à passagem dos dias:
O antigo, o belo, o opaco, o pomposo lavor;
Os ídolos e âmbares e adornos raros,
Assim são tuas ricas e imensas reservas;
Mas, provisão marinha de coisas efêmeras,
Nessas solertes selvas já semi-encharcadas
Com mais novas e mais brilhantes bagatelas,
No lento flutuar em vária luz e treva...
Não! Não existe nada. No todo e em tudo
Nada que inteiramente seja de ti mesma.
Tal, no entando, és tu.

(Tradução: José Lino Grünewald)

Correio da Manhã
03/08/1963

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
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A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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