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As máscaras de Ezra Pound / III – Pound e Laforgue

Uma engenhosa tessitura rítmica, correlacionada com um permanente metamorfismo de expressão, deu à poesia de Jules Laforgue características extremamente pessoais. Morto, aos 27 anos, em 1837, o seu "mood" já havia atravessado a Mancha na segunda década do século atual e influenciava alguns dos grandes poetas da língua inglesa. Basta citar Pound e Eliot, ambos em Londres naquela
época.
Pound sustentava um imenso interesse pela obra de Laforgue - incluía-o entre os autores cuja leitura seria básica. Para ele, o poeta francês era um exemplo preciso de logopéia ("a dança do intelecto entre palavras") e possuía, na medida precisa, o dom da ironia, a qual raros sabem usar através do verso. Em um artigo publicado na revista "Poetry", em 1917, sob o título de "Irony, Laforgue and Some Satire", assim comentava: "Eu acho que Laforgue implica definitivamente com determinadas coisas que, na prosa, chegavam ao fim. Acho também que ele demarca a nova fase na poesia francesa posterior a Gautier. Parece-me que, sem haver familiaridade com Laforgue, é impossível apreciar, isto é, estabelecer os valores de alguns positivos e de alguns negativos na poesia francesa, desde 1890. É um artista incomparável. É, em nove décimos de sua personalidade, um crítico, a lidar, na maioria das vezes; com clichês e posturas literárias, tomando-os como assunto seu; e – isto é o importante quando pensamos nele, como poeta - torna-os um veículo de expressão de suas próprias emoções muito pessoais, de sua própria e impertubável sinceridade."
Posteriormente, em 1920, numa carta a William Carlos Williams, Pound referia-se ao esforço que Eliot vinha empreendendo a fim de livrarse da imitação de Laforgue. Essa influência absorvente, sofrida pelo autor de "The Waste Land", especialmente na primeira fase de sua atividade criativa, é reconhecida até hoje. George Williamson, em "A Readers Guide to T. S. Eliot”, corrobora tudo isso: "Laforgue has inspired Eliot in method and verse, not to say mood".

Laforgue

Nascido a 16 de agosto de 1860, Laforgue viveu pouco (morto a 20 de agosto de 1887). Vida breve, arte longa. Desapareceu quando o movimento simbolista ia a pleno vapor. Alguns o tacharam de decadentista; outros, de poeta menor. Nasceu em Montevidéu, e, lá, permaneceu até os seis anos de idade; a seguir, Tarbes; depois, Paris. O fim de sua vida desenrolou-se quase que inteiramente na Alemanha, pois, em 1881, foi nomeado leitor da Imperatriz Augusta, mulher de Guilherme I. Voltou a Paris, em 1886, havendo passado três dias em Londres, onde se casou. Morreu jovem, triste e pobre. Mas, este que Henri Peyre visualizava como "pálido mandarim" era, ainda por Ezra Pound, considerado como talvez o mais sofisticado entre os poetas franceses.
"Si mon Air vous dit quelque chose, / Vous auviez tort de vous gêner; / Ye ne la fais pas à la pose / Je suis la Femme, on neconnait". É interessante, ao invocar-se esta quadra de um dos poemas mais famosos de Laforgue, "Notre Petite Compagne", constatar o fato de que três grandes poetas norte-americanos criaram composições, sob o título "Retrato de uma Dama": Eliot, Pound e William Carlos Williams. E, como sempre, o impulso da ironia e da sátira, sob uma técnica refinada do emprego do coloquial, forja uma espécie de tomadas críticas do eterno feminino. Ou seja, glosa de alguns padrões de comportamento.
Pound, ao envergar a máscara laforguiana, já, de início, apresentou o título do seu poema em francês: "Portrait DUne Femme". Aqui, no entanto, não é só ironia: uns, rasgos de veemência sacodem, vez por outra, a filigrana de sutilezas, o espírito de miniatura, propiciando uma cadência alegórica a extravasar os limites intimistas. E encontra-se, na tradição do verso conceitual, uma das inúmeras "touchstones" de EP, ao referir-se a um tipo de mentalidade padrão: "Uma inteligência média / com um pensamento a menos cada ano."

Portrait d une femme

Tua mente e tu sois o nosso mar Sargaço,
Londres te revolveu em vinte anos
E luzentes navios legaram-te por paga
Uns resquícios esparsos: ideias, bate-papos,
Estranhos mastros de sabedoria,
Embaçados artigos de comércio.
Homens de esírito a ti acerreram -
A falta de alguém mais.
Foste sempre a segunda. Trágico?
Não. Preferiste-o ao lugar comum:
Um sujeito vulgar, insípido e submisso,
Uma inteligência média
E com um pensamento a menos cada ano.
Ó, sei que és paciente e já te vi imersa.
Horas, quando algo poderia vir à tona.
E agora pagas. Sim, sobejamente pagas.
Tu és uma pessoa de certo interesse,
Alguém chega-se a ti e leva um lucro inédito,
Troféus içados, uma opinião peculiar,
Eventos sem sentido e uma história ou duas
Grávidas de mandrágoras, ou de outras coisas
Que podiam ser úteis, porém nunca o são,
Não cabem em lugar nenhum, de nada valem,
Není encontram sua hora à passagem dos dias:
O antigo, o belo, o opaco, o pomposo lavor;
Os ídolos e âmbares e adornos raros,
Assim são tuas ricas e imensas reservas.
Mas, provisão marinha de coisas efêmeras,
Nessas solertes selvas já semi-encharcadas
Com mais novas e mais gloriosas bagatelas,
No lento flutuar em vária luz e treva,
Não! Não existe nada! No todo e em tudo
Nada que inteiramente seja teu.
Tal, no entanto, és tu.

Correio da Manhã
11/12/1972

 
G. S. Fraser "The modern writer and his world" - Criterion Books
Jornal do Brasil 18/08/1957

Sophokles – “Women of trachis”
Jornal do Brasil 03/11/1957

Piet Mondrian
Jornal do Brasil 01/12/1957

The Letters Of James Joyce
Jornal do Brasil 12/01/1958

O poema em foco – V / Ezra Pound: Lamento do Guarda da Fronteira
Correio da Manhã 05/10/1958

Erza Pound, crítico
Correio da Manhã 11/04/1959

Uma nova estrutura
Correio da Manhã 31/10/1959

"Revista do Livro", nº 16, Ano IV, dezembro de 1959
Tribuna da Imprensa 13/02/1960

E. E. Cwnmings em Português
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Correio da Manhã 05/05/1962

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Correio da Manhã 06/06/1962

A Questão Participante
Correio da Manhã 18/08/1962

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