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Para Lenin, o cinema era a "arte do século"...

Para Lenin, o cinema era a "arte do século". Isso veio a ser corroborado por Walter Benjamin, quando escreveu seu famoso ensaio, A Obra de Arte no Tempo de Suas Técnicas de Reprodução, quando preconizava o término da aura do objeto único e, em decorrência, o advento da era da reprodutibilidade em massa. Porém, o filme - um dos materiais básicos desta nova era - viria, com o tempo, a demonstrar que não seria a sala de espetáculos públicos o grande ponto de referência para a projeção da mesma arte do século de Lenin. O ponto máximo viria a se fixar no vídeo, ou seja, por onde surge injetada a imagem da televisão. Embora, sem muitas possibilidades de desfechar a catarse coletiva, o espetácuto intimista da TV atinge, ao mesmo tempo, milhões de pessoas no chamado conforto do lar.
É claro: a televisão, por obra e graça de suas necessidades de comercialização, não pode ainda se dar ao luxo de ter alguns grandes inventores da sintaxe cinematográfica, que, vez por outra, de acordo com o desabrochar das oportunidades, inauguravam formas e ampliavam o campo de impactos da nova linguagem. Um Eisenstein, um Griffith, um Godard, um Resnais, um Kubrick. Mas, aquilo que já fora descoberto (ou inventado) era mais do que suficiente para impelir o veículo por excelência. Afinal, por exemplo, a apresentação do Fantástico, da TV Globo, aos domingos, pode fazer inveja a muitos musicais da Metro. Da mesma maneira, as montagens e visualizações, a pretexto de apresentar os créditos de telenovelas, quando, inclusive, são lançadas composições musicais quase sempre com lugar certo nas paradas de sucesso. Veja-se o exemplo recente de Coração Alado, desde os trailers até a realidade dos capítulos em curso. O público, cada vez mais, continua deglutindo formas que, tempos atrás, seriam inviáveis em sua assimilação por uma maioria de espectadores. O processo permanece ficando absorvido em seu transformismo constante - aquele processo "riocorrente" de Heráclito ou James Joyce, que pouco tem a ver com a concepção utilitária de progresso.
Esses prefixos, créditos, chamadas - e também aí incluindo os anúncios, os elementos de propaganda - já são filmes dentro do filme, ou, até mesmo, novelas, mininovelas antidiscursivas dentro de novelas. Daí, em paralelo, o entrosamento com os elepês atirados na praça e que pontificam nos Ibopes dos mais vendidos. Afinal, uma coisa impele outra; o som cristaliza a imagem, alimenta um passado de emoções e surpresas naqueles, "balangandãs" de suspense, de instigação, agitação, forjados por uma Janete Clair, um Dias Gomes, um Gilberto Braga e muitos outros que elaboram o esqueleto do espetáculo.
Note-se o dado novo. No cinema, ou seja, a sala de espetáculos públicos, não existe a inserção de propaganda, repetição de créditos: chamadas (quiçá a abordagem de alguma entrada da Secom, com discursos presidenciais ou falas ministeriais). A obra (às vezes de arte) necessita ser preservada de intromissões extra-estéticas, daqueles ruídos perturbadores da informação. No mundo do intimismo de milhões e milhões; propiciado pela televisão, todas aquelas iserções de praxe já constituem o lugar comum. E não perturbam em nada o telespectador, seu ritmo de apreensão. E não falamos em novelas, que também já são capituladas, subdivididas. Falamos, do mesmo modo, dos filmes de longa metragem, anteriormente em geral exibidos nos cinemas. Aquilo que, nas salas de espetáculo; poderia-se tornar insuportável, prossegue perfeitamente assimilável numa sala ou num quarto de dormir do público anônimo que não precisou adquirir ingressos.
Explica-se. Vale levantar todo uma teoria do condicionamento e do próprio comportamento derivado do vínculo com a TV. Uma das razões seria a disponibilidade do espectador em pilotar o aparelho a seu bel prazer, alterando as cores, brilho, com ou contrastes, ou, então, mais radicatmente, mudando de canal durante o período de tempo que lhe aprouver. O anúncio pode traduzir a hora de embalar o bebê no berço ou de servir mais uma dose de uísque. Ou de emitir uma breve chamada telefônica. Em suma, todas essas atividades prosaicas incorporam-se ao show. Ou, indo mais·longe, o dia-a-dia adere aos canais da fantasia. Ou, ainda mais distante (ou perto), a rotina já é elemento da citada fantasia; como dizia Susanne Langer, em "An Introduction To Symbolic Logic" (Uma Introdução à Lógica Simbólica) não se trata de mate materialismo - a tinta na lata - mas de elemento (virtualidades), ou seja, a cor na tela. Embalar o bebê ou beber uísque saíram da tradição vital, apolínea ou dionisíaca, e traduzem o diapasão de diferentes formas de estar.
Para Marteau-Ponty, em O Cinema e a Nova Psicologia, a grande importância da "sétima arte" era aqueta de ser a primeira a proporcionar o comportamento do indivíduo. As variadas formas de tomadas, aliadas à montagem, aos "travelings", permitiam, enfim, que se vislumbrasse o estar humano. Isso, no entanto, a partir de uma ótica distanciada: o espectador saía de casa para assistir a determinado espetáculo, junto com um público desconhecido, em local não familiar. Hoje, trabalhando com a mesma matéria básica - o filme - o espetáculo chega em casa e envolve todas as atividades rotineiras que se desenrolam à sua volta. Então, o comportamento do indivíduo, formulado por Merleau-Ponty, não corresponde mais apenas ao do outrem; é o nosso, em torno do aparelho, como se fosse uma espécie de metalinguagem em termos de vivência. Todos os dias, uma faixa da população brasileira vê aquele alado e bem vermelho coração e, aos domingos, as girls do Fantástico repetindo a mesma toada: são os suportes dos signos de um dos elementos mais importantes da segunda Revolução Industrial.

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