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O tempo de Gide

A Editora Civilização Brasileira lançou o Corydon, de André Gide, em tradução para o português. No ensejo dessa edição permitem-se algumas observações curiosas a respeito do assunto. Influenciado inicialmente pela estética simbolista, Gide tornou-se um dos maiores escritores franceses nos primeiros decênios deste século: L’Imoraliste, Les Nourritures, Les Caves Du Vaticano, Les Faux Monnayeurs etc. Nascido (André Paul Guillaume) a 22 de novembro de 1869, em Paris, lá morreu em 1951. Em 1894, teve o famoso encontro, na África, com Oscar Wilde e Alfred Douglas, que iria encorajá-lo a tomar atitudes que geraram o prémio Nobel em 1947.
A sua prosa, fácil de entender, é, no entando, de difícil transposição para outros idiomas, devido à atmosfera proporcionada por uma linguagem extremamente gesticular. Não é bem o caso de Corydon, que se constitui num livro de tese, contendo apenas a organização de ficção no tocante à técnica dos diálogos. Enfim, não é preciso lembrar que esta obra sua, assim como outras, fizeram parte do Index do Vaticano até o dia em que a Igreja liquidou com tal instituição, verificando que era uma irresistível fábrica de best-sellers.
Corydon foi terminado em 1911 – mas o autor jogou seus 12 únicos exemplares numa gaveta. Criou coragem e veio a publicá-lo no início do decênio seguinte. Afinal de contas, defender o homessexualismo, exaltar o “amor grego”, era (e foi) motivo de revolta em sua época, haja visto as reações.
Hoje não é. O ressurgimento neopagão, dionisíaco, na era da comunicação, da informação rápida, do LSD & variantes, diminui a fôrça dos preconceitos. O assunto é até cândido. Assim também como uma releitura, meio-século depois, serve para evidenciar a ingenuidade do livro, sem desmerecer, é certo, a coragem do autor de tê-lo feito em determinado período.
Gide, em sua polêmica, cercou-se dos exemplos históricos e literários, evocou a pureza do mundo grego e apoiou-se no arcabouço do cientificismo. Aí, neste ponto, com mais de 50 anos de tecnologia, ficou até sendo um amáver amateus. Problema não só do ensaísta não profissional, como do romancista, diante da evolução da Ciência. Antigamente, com base na intuição ou no prosaico “bom-senso”, o romancista conseguia se aventurar em vários temas. Hoje, existem o sociólogo, o psicólogo, o antropólogo e, até o ecólogo. Sem falar na inquietação permanente dos lingüistas, que vão matando os antigos métodos de análise estilística. Exemplos de atualização: Gide, quanto ao mundo animal, se refere ao óbvio homossexualismo entre cachorros; hoje, um ensaísta especializado, como Donald West, diz que, mediante a experiências com reações elétricas, verifica-se que são os ratos os mamíferos dotados de maior potencialidade homosexual.
Mas o caráter spectral não impede de reconhecer que êle foi um dos que melhor se empenharam na denúncia da civilização cristã. A civilização cristã criou o conceito pecado, porém que, exatamente, conferiu ao sexo uma ascendência aberrante para o comportamento humano. Basta recordar, aqui, o enfoque do matrimônio. No mundo romano, antes de Cristo, a sociedade, os juízes presumiam a existência do casamente através de deductio in domus matitii; isto é, se o homem e a mulher revelavam o animus, morando juntos, estavam casados. Depois, a Igreja veio e centrou o reconhecimento não mais no morar, mas na conjunctio carnalis. A partir de então, começaram os rasgões e emendas nos códigos civis.
O que, entretando, ficou superado, no saudosismo de Gide pelo mundo grego, foi a idéia de condição inferior da mulher, face a pederastia. Isto porque, no desenvolvimento tecnológico a gerar o neopaganismo, o cérebro tem cada vez mais ascendência sôbre o resto do corpo. Ou, melhor traduzindo: acesso ao mercado de trabalho – indenpedência. Mesmo porque, também nos tempos de outrora, se havia, por exemplo, aquela aura em tôrno de Aquiles e Pátroclos, Sago já dava o seu plá.

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