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Luz, câmara - teleação...

Luz, câmara - teleação. Vai de novo para o vídeo de milhões e milhões mais um capítulo de Água Viva ou o mistério (já divulgado antes de se consumar o crime), de quem matou Miguel Fragonard? É a realidade cultural do grande veículo massficador: TV - que também é VT. Aquilo que Walter Benjamin, em A Obra de Arte Nos Tempos de Suas Técnicas de Reprodução, já havia preconizado estar no auge. Trata-se da era da reprodutibilidade em massa. O término da égide do artesanato, o adeus à aura do objeto único, o bom dia à segunda revolução industrial. O artesanato sobrevive, porém, em nível de indivíduos, pequenos núcleos. Desde os mais humildes até os marchands e leiloeiros de obras de arte. Enquanto isso, para as massas que não podem pagar uma viagem à Europa ou aos Estados Unidos, as oficinas de impressão e reprodução substituem os museus.
Entregam, via livrarias, bancas de jornais ou até mesmo na porta de casa; o Giotto do dia, o Fragonard do dia, o Picasso do dia. Assim como se entrega Francisco Cuoco ou Gloria Menezes.
Aqui, no Brasil, a telenovela transformou-se numa realidade catártica do dia-a-dia de toneladas de habitantes, do Chuí ao Oiapoque. Mas, não é apenas um fenômeno interno. A telenovela, segundo o depoimento de várias pessoas, chegou a interromper deliberações do governo de Portugal e começa a percorrer a Europa. O know-how nacional, em matéria de televisão, constitui uma realidade. Assimilamos o processo importado e, a ele, conseguimos dar uma marca, um estilo, no tocante a progresso consumado. Um povo com menos tradição do código da escrita, em relação ao mundo europeu, somente poderia conferir maior estímulo à criatividade do mundo da imagem e som. Lê-se pouco: mas passa-se a ver ouvir muito. Aliás, é esta uma das razões da crise do sistema regular de ensino. Ou, enfim, uma corroboração das teorias McLuhan.

À Frente do cinema

Uma coisa logo se manifesta, nítida, a nosso ver irretorquível. Ao nível de realização, de feijão com arroz, sem solicitar "arte'' em demasia, a televisão brasileira é bem melhor, mais eficaz, do que o tão decantado cinema brasileiro. A cinegrafia flui, os fatores técnicos (e arte é muito de técnica) se impõem como um suporte natural para os signos. Os atores, na TV, estão, em médta, muito mais naturais do que os atores em nosJo cinema. São poucos os canastrões que vemos nas telenovelas, em contraposição ao festival de inapetência para representar que é despejado nas telas. Claro, toda regra tem exceção, mas de exceções o pobre espectador vai ficando farto. Muitos atores mudam seu estilo de estar, quando oscilam entre cine e TV. Há, evidentemente, o império das concessões, tomando-se em consideração a massa de telespectadores, a variedade de pontos de partida da capacidade de assimilar informações. Mas, o que prepondera é a chamada galera, as classes de renda msis baixa e, também levando-se em conta, o público feminino. Então, a um elevado gabarito de qualidade de realização, não se pode - do dia para a noite - fazer corresponder um alto nível de invenção, de inovação de métodos, de sintaxe desse contexto motovisual e sonoro.
Walter Avancini, há tempos, nos explicava algo que se tornou óbvio; os long-shots (quando se permite acumular maior quantiade de elementos de significação e, em decorrência, economia de meios), esses mesmos long-shots (tomadas feitas a grande distância) dificultam o entendimento da cena e seus significados pela audiência mais desprovida de conhecimentos formais, estruturais.

Ao mesmo tempo, existe o interesse comercial de prender o público mais ingênuo aos seus pequenos mitos, seja um Tarcisio Meira, um Francisco Cuoco, uma Regina Duarte, uma Elizabeth Savala. Então, toca close-up e primeiros planos em grande frequência sobre a cara dos telespectadores. Aí, começa o rame-rame do pingue-pongue do campo e contracampo: Betty Faria olha para Raul Cortez e fala qualquer coisa – corte - Raul Cortez olha para Betty Faria e fala outra qualquer coisa - corte - voltamos a Betty e etc., etc. No entanto, isso que passa a ficar monótono, só é percebido por uma parcela ínfima, mais sofisticada do público.

Saudade de Gabriela

As maiores novelas já produzidas são Gabriela e O Casarão. Já se perderam um pouco na rápida poeira do tempo de TV - esse mini espetáculo intimista e eletrônico e que infere um "réquiem" para diversas e, agora, antigas atividades caseiras. Em Gabriela, Walter Avancini soube, de forma altamente positiva, criar uma ambiência do passado e formular modalidades de comportamento, numa saraivada de tipos humanos devidamente regionalizados. O entrecho de Jorge Amado seria até secundário, face à pintura ambiental. Era, porém, um pedaço de passado do Brasil muito bem registrado àtravés da encenação artificial. Em O Casarão, Lauro César Muniz jogava com os três planos temporais da narrativa e, em paralelo, propiciava uma tentativa de focalizar a evolução da sociedade e das mentalidades. Os personagens flutuavam no tempo e o espaço era a hélice. E o público conseguiu captar a empatia.
Hoje, a telenovela seguiu rumos diversos. Procura tonar-se mais urbana e filha do presente, em matéria de temas: Dancing Days, O Gigante, Água Viva, Chega Mais, etc. Estamos falando dos horários nobres. Parece até que se está tentando intensificar a atração das metrópoles aos habitantes rurais. O problema é que, na medida do campo-contracampo ou do tema-subtemas há um repisamento somente garantido por órgãos de imprensa que asseguram sucesso por carência de opções. Há mercado em excesso e criação em decadência.

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17/07/1980

 
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