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Talves uma das loucuras do século...

Talves uma das loucuras do século fosse assistir a uma partida inteira de xadrez pela televisão, sem que a imagem se desviasse do tabuleiro e dos dois adversários. Maior ainda talvez, fosse produzir um tal programa.
Mas, de qualquer maneira, por força da realidade da própria imagem, a TV é fria em seus registros dos fatos. Então, no decadente futebol brasileiro há partidas, como aquela recente entre o Internacional de Porto Alegre e o Nacional de Montevidéu, que, assistidas no vídeo, em transmissão direta, parecem uma partida de xadrez. Essa monotonia, o rádio sempre evita, justamente por não existir imagem. O ouvinte fica condicionado a uma montagem sonora de falas e ruídos, entremeados de jingles, vozes off etc. O relato é rápido (também entrecortado pelos anúncios), em tom candente e, assim, por exemplo, quando Jorge Cury diz que fulano "chuta!" o coração do torcedor quase sai pela boca. Mas o vídeo-tape mostrará depois que foi uma bolinha inocente, pererecada, que sequer ia em direção ao arco, enquanto o goleiro poderia continuar dormindo.
Na TV, a emoção é gerada pelo espetáculo a ela condicionado. Basta lembrar a abertura dos Jogos Olímpicos e as disputas de vôlei ou basquete transmitidas ao vivo. Pode, ao mesmo tempo, haver a emoção em torno de várias outras coisas, como grandes reportagens, pronunciamentos eleitorais (se for revogada a ridículo Lei Falcão) filmes de ficção, etc.
Quando se liga o aparelho, estamos diante do espetáculo íntimo de audio-visual, da montagem dialética entre documentário e ficção. Entra uma novela-sai-entra um jornal com notícias e informações sai-entra uma produção dublada em longa-metragem-sai-entra uma retrospectiva das olimpíadas. No meio de tudo, o bombardeio publicitário-fator, muitas vezes de perturbação. Isso porque, na televisão, dada a variedade de nível de público, mas com a evidente predominância daquele menos remunerado, menos sofisticado, os anúncios têm de ser mais diretos, simplórios, absurdos mesmo, como os galãs, no iate ou no velho oeste, fumam os cigarros tais ou homem refinado, envergando smoking, a tomar uísque nacional (como se fosse possível que o pessoal da classe A tomasse essa malfadada bebida, não só pela má qualidade, como por jea estar mais cara que o escocês no contrabando).
Com relação a isso, podemos lembrar o ultimo grande movimento que agitou a estética do cinema: a “Nouvelle Vague” dos franceses, na década de 1950, liderada pelos críticos da revista “Cahiers du Cinema”. Um deles, Andre’s. Labarthe, em seu livro, “Essai Sur le Jeune Cinema Français" (Ed. Le Terrain Vague-Paris), foi, provavelmente, o primeiro a levantar a lebre da dialética entre documentário e ficção, a caracterizar a obra de alguns dos principais diretores formados com a "Nouvelle Vague". Logo entre eles, o maior de todos, Jean-Luc Godaar, que inventou o cine-entrevista, ou seja; fazer entrevistas com pessoas da vida real, que nada tem a ver com o – plot -, no meio de um filme de ficção. Ou então colocar o cineasta Fritz Lang participando de filmes como ele próprio, sem estar interpretando qualquer personagem.
Outro grande cineasta do presente - Alain Resnais - no ensaio. "As Serpentes e o Caduceu ", lançado na revista Le Point, nº LIX, de 1962, explicava extamente que toda a história do cinema já estava delineada, desde o seu início, nas duas vertentes básicas: Lumiere e Melies, ou seja, o documentário e a ficção.

Ou se faz a "fita de arte", tipo Cinema Novo etc., reservada a um pequeno público de intelectuais, ou parte-se para o grande espetáculo eletrônico; modelo "Guerra nas Estrelas". Há o meio termo-tipo 1900 - onde o espetáculo constitui moldura das "grandes mensagens". Mas há uma diferença essencial entre assistir a um filme na TV e num cinema. Embora ninguém discuta, no caso da fita – espetáculo -que, quanto maior a tela, melhor o filme; a evidência é aquela de que a TV é mais "quente" do que a sala de projeções para o público. Ao contrário do que muitos observadores repisam, mostrando até a figura de alguém saindo do vídeo de dedo em riste contra a cara do telespectador, o dedo em riste está muito mais dentro de qualquer cinema, quem manda é o operador.
A TV é mais quente porque o espectador, na intimidade do lar, pilota o aparelho, confere tonus até à própria estesia do miniespetáculo. Põe mais cor ou menos cor, coloca a faixa sonora a seu bel-prazer; aumenta ou diminui os contrastés, incentiva maior ou menor brilho, enfim, realiza mutações de frequência - muitos naquela pura volúpia de apenas pilotar, como aquelas pessoas que preferem ouvir som a ouvir a música. Essa participação com o maior veículo do século se consiste em elemento importante no sentido de estudar formas de conduta humana.
Em suma, com todas essas características, pode-se denotar ser a televisão o mais instigante meio de ação cultural. Mas, não só através da informação (ou aqueles "conteúdos", debatidos por esquerdistas, direitistas, bispos, psicólogos, juízes de menores, etc.); também ir pela forma, que, no fim de contas, é a principal informação.

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