Nas telenovelas, muitas vezes, aos olhos do público, os personagens substituem os atores. Esses últimos são reconhecidos, na rua, não pelos nomes, mas pelos personagens que estão interpretando. Existia até, há cerca de dez anos, a história de uma agressão que Dina Sfat teria sofrido em plena via pública por causa do papel de uma mulher má que vinha interpretando. Estávamos, então, na Selva de Pedra, que, ainda em preto e branco, foi a primeira novela a levar o Ibope às alturas.
Os sagrados personagens estão aí, misticando através do meio. Em Louco Amor, temos o caso de Gisela e Edgar, ou seja. Lady Francisco e José Lewgoy. São incorporação dos amores outonais que as telenovelas se encarregaram de projetar. Nada dos rapazes e raparigas de outrora. Gisela é uma cinderela quarentona. E Edgar, bem, é um príncipe sem aquele romantismo ao qual as vovós e os jovens tímidos estavam acostumados.
Lady Francisco não tinha tradição de "grande atriz" (como Fernanda Montenegro, Tônia Carrero ou Tereza Rachei), porém domina o elenco feminino. Possui a empatia com aquela parte do grande público que elege a simplicidade do estar, em confronto com o artificialismo, a falsa sofisticação do comportamentode quem vive essa coisa sub-refinada que se chama alta sociedade.
E José Lewgoy - um de nossos grandes atores - aproveita a sua imensa chance. Seu Edgar é tudo em matéria de forjar um tipo, que vive e trepida. Aciona a máscara facial, esganiça a voz, navega sempre a um passo do excesso, do imponderável histriônico, porém não escorrega. É como um toureiro da ribalta. Cria um personagem, dá-lhe seiva e começa o jogo de riscos do controle.
No desfilar de estereótipos do humanismo, as telenovelas se encarregam de conferir carne e osso a eles. Esse também é o poder da TV, que, no tocante aos personagens dos antigos folhetins substitui a imaginação subjetiva, pela imagem objetiva.
Última Hora
10/10/1983