Uma criança loura com olhos radiantes, enigmáticos. Ao seu lado, um minicomputador. Parecia um ser que se preparava para o anúncio de um novo planeta, uma nova cultura, como corroboração daquele nascimento cósmico desfechado no final de 2001: Uma Odisséia No Espaço, de Stanley Kubrick e Arthur Clarke.
Com aquela imagem acima descrita, encerrava-se um dos trechos do Globo-Repórter da semana passada. Esse assunto é do maior interesse, porque sacode velhos tabus; e também indiscutivelmente educativo até porque mexe com os sistemas de educação. Pois, até hoje, as máquinas, especialmente os computadores, são encarados por muitos como vilões da civilização: iriam matar o que há de ''puro" e "lírico", liquidar com o humanismo. Mas a máquina - criação do próprio ser humano - é isso mesmo: permite prever novas formas de mito, de religião, de linguagem. Ou até uma espécie de Nada que preocupa tantos artistas e filósofos.
Em dado momento da reportagem, diante de um adolescente que já sabia manipular o computador criativamente em matéria de programação, o entrevistador pergunta quanto são seis vezes sete – o jovem erra longe, falando vinte e três. Isso pode, a princípio, ser chocante para a nossa cultura. E o é Tanto que a maioria dos colégios ainda proíbe o uso de minicalculadoras pelos alunos, quando, hoje em dia, o acesso a elas está praticamente entregue a todas as classes sociais.
O problema do ensino e desenvolvimento intelectual através do computador é justamente o debate sobre a nossa capacidade de assimilar um novo real. O computador, dia a dia, libera a nossa memória do papel de uma espécie de empório de informações ou conceitos consagrados. E, diminuído quantitativamente esse encargo, a nossa inteligência especulativa (a potencialidade de ter idéias) fica mais liberada. Não há o que temer das máquinas em si. Afinal, senhores telespectadores, a TV é uma delas.
Última Hora
12/10/1983