Já, há mais de 10 anos, poderia ter sido feito o prenúncio de que a filmoteca viria a concorrer com a biblioteca. E, não apenas em recintos públicos, porém nos próprios lares. São consequencias desta era de reprodutividade em massa. Hoje, já se começou a falar em videomania. O registro substitui o relato. Pois, de posse de um aparelho de video cassete, o indivíduo não vai apenas guardar um filme para rever nos momentos de lazer ou nostalgia. Com o dispositivo acoplado ao aparelho de televisão, ele registrará o que lhe der na veneta: um jogo de futebol ou de vôlei, um programa cômico, uma reportagem especial, o programa do Chacrinha etc. Para apagar depois, se quiser.
Mas não é só isso. Há muito que o lápis, a caneta, a maquina de escrever, o pincel, o buril deixaram de ter domínio integral dentro de casa, em matéria de atividades especulativas. Vieram as fitas e respectivos gravadores - e, junto, os microfones. Com eles, já se começou a criar (amadoristicamente que seja) em matéria de som de montagem sonora: música, ruídos, falas. As próprias gravações originais de orquestrações, interpretações, passam a receber “arranjos" consumados no âmbito doméstico.
Agora, com o vídeo-cassete, a amplitude dos recursos lúdicos se concretiza. Criar em casa: dar asas ao jogo de relações - montagem. Tornar lento ou acelerar determinado filme. Transcrever da TV para o cassete, utilizar a filmadora para o cassete. Por enquanto, ainda é uma atividade onerosa, reservada a uma minoria. Mas o futuro do primado do manuseio eletrônico toma-se fatal. Pensar em termos dos recursos de eletricidade (hoje em dia, por exemplo, as minicalculadoras já são vendidas nos camelôs, já têm preço bastante acessível).
Tudo isso aponta para consequências que vão colocar a TV em novas vias. A verdade é que o número de produtores aumenta em relação ao número de consumidores. E, quanto mais produtores, mais idéias. E quanto mais idéias, mais revolução.
Última Hora
17/10/1983