Champagne rompe de fato com o nível popularesco das novelas. E logo no sagrado horário das oito. Aliás, o título, com a grafia francesa, já constitui o desafio da sofisticação: não se trata de Peterlongo, mas de, no mínimo, Veuve Clicquot (para a qual, aliás, os connaisseurs, como Armando Miceli, torcem o nariz).
Champagne, ao contrário da santa cachaça, não chega à galera, não entra na favela. Vamos ver como a repercussão global vai fazer com Henriqueta Brieba, Dionísio de Azevedo (magnífico na Primeira Missa, de Lima Barreto), o inefável Tony Ramos, Isabel Ribeiro, Nuno Leal Maia & outros. Bem - já muito bem - começou Carla Camuratti, no papel de Bárbara. Aqueles óculos singelos foram muito bem escolhidos para o personagem louro.
A cinegrafia de Champagne possui requinte sem par. Mais uma demonstração de como a TV anda longe do cinema nacional, que, muitas vezes, em lugar do óbvio de Hollywood, quer imitar aqueles chatíssimos filmes neo-realistas (que nem mais existem) ou os ainda mais chatíssimos da outrora Cortina de Ferro. O uso da cor muito bem dosado. Nada daquelas concessões excessivas do campo e contracampo. Pelo contrário, existem cenas onde predomina o plano-sequência (o plano, que me desculpe William Wyler, onde as coisas acontecem sem a câmera sair de determinado lugar fixo). É o foco concentrado no fundo, enquanto coisas acontecem no primeiro plano (seja na base do close-up ou do plano americano). Em suma, o delírio do flou e das fusões altamente competentes, especialmente nos lances oníricos, onde também brilha Lúcia Veríssimo, no personagem de Eliana. Parece que estamos na avant-garde francesa da década de 20 - aquela de Kirsanoff, L'Herbier, Epstein e outros.
Uma última, e não menos animada, referência à apresentação e os créditos. Um pequeno delírio dada (dadaísmo foi um movimento de vanguarda antes da década de 20, onde os artistas tentavam acabar com a mística do "bonito"). Os objetos passeiam em sua autonomia, o vermelho ganha fulgurações inauditas. Enfim, Champagne parece chegar como um idílio com o bom gosto.
Última Hora
27/10/1983