Os telejornais julgam dar surra nos jornais. Isso é para falar dos consumidores que bailam na desatenção dos fatos sem comentário. Vamos mais longe, indo mais curto: hoje em dia, o sacrossanto consumidor não quer perder tempo: quer ver o Cid Moreira, o seu ar desalentadoramente blasé - e tudo o mais. O resto fica para o "jornal" da meia-noite - onde todos os gatos são pardos. Ou vice-versa.
Mas o que ninguém aguenta é assistir à encheção de saco mediante os dramas do Nordeste. Não há pessoa de bom senso que não prefira ficar vendo a neve de São Joaquim, em vez das terras calcinadas em algum interior do Piauí. Ou Lajes. Ou Gramado ou Vacaria. Sem falar nos fazendeiros do Paraná.
Fazer jornalismo - vamos tentar teorizar - implica um mínimo de savoir faire. Há o gosto do público, existem os grandes temas que têm de ser agitados. A TV Globo conseguiu o milagre hollywoodiano de colocar dois bebês ensanguentados, em 4 dias, na cara do público. É demais, não se demanda a burrice, porém um mínimo de competência. O País, afinal não é formado por palhaços. Por que esse desvelo pela miséria? Num território onde nada é sério (a começar pelos três ministros da área econômica), qual a razão de os chatos virem empanzinar os auréolos com burrices perfeitamente dispensáveis?
Vamos reconhecer. Os telejornais são bem-feitos. Mas por que não elidir a burrice? À esquerda ou à direita? (aliás, o que é direita?) Voltamos a repetir em escrito e mísero bom som: todo o mundo quer ver a neve de São Joaquim; alguns defrocados querem ver a calcinagem do Piauí. O trabalho de organização dos telejornais é bem elaborado no que tange à informação. Mas, obrigatoriamente, há uma seleção delas. No tocante à tragédia, basta o escandaloso desgoverno - sobre o qual nada se fala. Os telejornais andam bons; mas necessitam de um futuro urgente.
Última Hora
02/11/1983