A figura da atriz, na televisão, tornou-se um mito acalentado por inúmeros artifícios de cinegrafia. A câmera, implacável, vem por baixo, acaricia o queixo, banha os olhos, derrama-se pelos cabelos. A voz sai do vídeo como se fosse resultado da melhor caixa de som. Ela é loura ou é morena. Pouco importa. Importa, sim, saber que há um produto circulando. Inexiste projeto. Com o tempo, as novelas vão perdendo aquele mínimo de caráter até melodramático. A novela invadiu a favela, à falta de outro ópio.
Antes, não era assim, o público possuía um mínimo de, se não fosse espírito, impulso crítico. E, no entanto, a tecnologia era bem mais escassa. Nada se fazia, se produzia assim impunemente. Agora, há um modo de estar que deteriorou o humanismo. As pessoas - principalmente as mulheres - parecem que são de plástico. Porém, o público gosta. A impressão é aquela de um novo fatalismo grego, agora gerado pela máquina. Tudo é pretexto tecnológico - o know-how tem de estar instalado em todos os sofás de décors, muitas vezes, mirabolantes. A mulher da telenovela, em geral, nada tem a ver com a vida real. Mas tem está ali, plantada por um sistema, ao lado do próximo. Vaporosas, coloridas, exprimem coisas que excitam o dia-a-dia dos pobres contribuintes. Só se assemelham às funcionárias de banco.
Este é o espetáculo da alienação. Numa sociedade onde ainda se dá às atividades sexuais uma predominância simbólica, o primado do pensamento representa mera utopia. A mulher vira objeto sem saber que o é - ou até gostando da história. Aí entra o implacável marxismo. As mulheres são muito mais marxistas do que os homens: voltam-se para os fornecedores. Entre eles, até as psicanalistas.
Perde-se o critério. Os seres humanos são escravos das situações - situações que se vinculam a uma hipotética realidade. Mas não traduzem a própria. No dia seguinte, o pobre mortal (de qualquer sexo) tem de ler no jornal, por exemplo, que o sr. Maluf elogiou o sr. Delfim Netto. Aí acaba o sonho. Chega-se a dureza de ver que os mitos engendrados na TV estão aí para isso mesmo: para que o sr. Maluf elogie o sr, Delfim. Flou. Fade out. E a revolução?
Última Hora
03/11/1983