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Viver TV

O que se entende por "cultura"tem a ver com a ação do homem em todos os campos e seu marco inicial configura-se mediante a descoberta do instrumento.

Antigamente, quando éramos jovens (saúde e inocência), íamos todos, lépidos, aos cineclubes, às sessões especiais, a fim de assistir aos filmes de ''avant-garde": de Eisenstein a Germaine Dulac, de Dziga-Vertov a Epstein, de Man Ray a Hans Richter. Hoje, os tempos mudaram. Na TV do dia a dia, qualquer anúncio de Kolynos, de calcinhas ou cuecas, de cigarros ou bebidas, engloba toda a velha vanguarda: montagem intelectual ou de atrações, "fade-in" e "fade-out", fusões, "travelings" ou "panoramas" arrojados, tal como os cortes. Há impressionismo e expressionismo, gruas e super 8, sátira ou deboche. Por isso mesmo, logo após o veículo TV, a propaganda (ou o que também se chama de publicidade) é o maior foco de cultura do século. O resto é literatura.

Supertranseletrônica

O cinema (antiga "arte do século" - ó Lênin, ó Lênin) tornou-se uma espécie de século 19 inserto no século 20 - este último, agora, o século da supertranseletrônica, da ruptura com um "logos" arcaico, da dança dos signos cibernéticos, da estética dos sentidos artificiais. O último grande filme de invenção de que me lembro é "Targets" (Na Mira da Morte), de Peter Bogdanovich - e, aí já se passou muito tempo. Além disso, o que ficou do cinema - além de quase todo Chaplin (o maior artista do século), dos musicais e operetas da Metro, de "2001" de Kubrick, de uma ou outra sequência de Eisenstein, de muita coisa de Hitchcock, com "Cidadão Kane", Ford e Capra logo atrás, Godard de cabo a rabo, Resnais idem idem, "Jules et Jim", "L'Age D'or" ou o "Anjo Exterminador", de Bunüel, sem falar em "Les Enfants du Paradis", de Carné'? Mas ninguém - cada um com suas opções - se perde na mera memória; a TV pode passar tudo isso e a estética também possui suas condicionantes ambientais. Com a televisão, o lar volta a ser o lar.

A ação do homem

O preconceito contra a TV, em diversos círculos de uma pressuposta intelectualidade dentro do assunto, está atento mais para a qualidade de "conteúdos" do que para o veículo em si. Mas o espectador comum continuará "vendouvindo", manipulando, o seu espetáculo caseiro.
Põe-se em questão o assunto "cultura". Mas essa idéia de cultura como derradeira etapa dos requintes da sensibilidade já rumava para o declínio depois de Edgar Allan Poe haver escrito "The Fallof the House of Usher" (A Queda da Casa de Usher). O que se entende por "cultura" tem a ver com a ação do homem em todos os campos e seu marco inicial configura-se mediante a descoberta do instrumento. Confere com o que diz o marxista Ernst Fischer (A Necessidade da Arte) e com a maior elipse da história do cinema, em "2001 - Uma Odisséia no Espaço", do já citado Stanley Kubrick, quando o primata atira eufórico o osso para cima e este se transforma em nave espacial ao som do "Danúbio Azul".
A TV é uma das múltiplas consequências daquela descoberta do instrumento e, hoje, condiciona o viver em inúmeras sociedades, bem como o "estar", a estrutura do comportamento. Pois a informação é comunicada com inusitada riqueza e sofisticação de elementos, desconhecidos no período mecanicista.
Vamos tentar estabelecer uma distinção entre informação e comunicação. Nada tem a ver com forma X conteúdo. A informação traduz o dado novo e surge emoldurada em maiores ou menores graus de redundância, ou seja, a conotação com o passado, com a coisa conhecida. Isso representa o elo com aquilo que se entende prosaicamente como "realidade". Se não houvesse tal elo, quer dizer, a informação emergindo como novidade pura, ocorreria o "choque cultural" - é só, mais uma vez voltando a Kubrick e Arthur Clarke, recordar o desfecho de "2001". Ou, uma realidade crua do quase dia a dia: a contraposição entre os nossos sonhos e a lógica artificial do relógio.

Espetáculo intimista

A comunicação, por seu turno, significa a informação entrosada com seu veículo. Estes são diversificados, da simplicidade à maior complexidade. Propiciam o "tonus" definitivo ao que se informa, alteram os efeitos e, em muitos casos, até a própria estrutura do dado novo. Uma coisa, por exemplo, é saber que fulano morreu através de um sussurro ao pé do ouvido. Outra, é sabermos mediante um alto-falante. Enfim, mais diferente ainda, é tomar conhecimento do fato diante de um aparelho de TV.
Essa mesma TV constitui o grande veículo de massas. Mas, aqui, ocorre uma peculiaridade. As massas não estão cominadas, como num estádio ou numa sala de espetáculos. Consiste num espetáculo intimista transmitido quase que permanentemente a um número muito maior de pessoas do que o estádio ou o cinema/teatro - são milhões e milhões. Porém, a catarse denota condicionantes diferentes: uma coisa é assistir a um filme junto com 500 pessoas; outra, na solidão de um quarto ou uma sala, embora se saiba que dezenas de milhares ou de milhões, no mesmo instante, também estejam de olho na idêntica imagem.
Ao contrário do que acontece no cinema, o espectador participa bem mais na TV. Ele pode manipular o aparelho, colocar mais ou menos cor ou contrastes, aumentar ou diminuir o som e, então, no caso dos videocassetes, alterar inclusive a montagem. Assim sendo, a televisão não é apenas um aparelho destinado a captar informações. É uma forma de conhecimento. Ela difere do espetáculo cinematográfico, numa sala de exibições públicas, assim como o texto impresso difere do texto que é lido para nós. Nesta última hipótese, apenas ouvimos consoante um modo estático de captação, enquanto que, na primeira, podemos manipular o "approach" do mesmo texto: ou seja, relemos, saltamos um determinado trecho, imprimimos nosso ritmo à leitura.
Trata-se de contexto onde ciência e criação, técnica e invenção andam em "pas de deux". Basta apertar o botão e o mundo muda: é protéico.

Folha de S.Paulo
09/03/1986

 
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