O guarda vinha assobiando - dobrou a esquina viu um aglomerado de pessoas olhando para o chão, todos silenciosos, concentrados. Apitou e apressou os passos até chegar ao local, em frente de uma agência do Banco do Brasil. Abriu alas entre o grupo e, enfim, conseguiu olhar para baixo. Lá estava uma pasta preta, algo bojuda, fechadinha, de forma sinistra. "Parece que tem uma bomba lá dentro" - palpitou um contínuo. "Por quê?" "Porque aquêle senhor ali, de piteira, já se agachou e alega ter ouvido um tique-taque." "E vocês são loucos de ficar ai em volta dela?" "É a curiosidade carioca, que arrisca a própria vida em busca de novidades" - opinou um filósofo do asfalto, descalço. O guarda dobrou a espinha e encostou o ouvido no couro negro: "tique-taque, tique-taque, tique-taque". Deu um salto para trás: "Saiam daí, dêem o fora! pode explodir a qualquer momento!" A pequena massa, como que despertada, recuou incontinenti. "Não mexam em nada, vou chamar a perícia." E disparou para a farmácia em frente, introduziu-se por detrás do balcão e ligou o telefone. Pouco depois retornava e dizia para os mais afoitos: "Saiam de perto, a Polícia Técnica já vem ai, acompanhada do DOPS." Aproveitou os minutos de espera a fim de interrogar os circunstantes e funcionários da agência. Neca, ninguém vira ninguém botando a mala no chão; só sabiam que ela aparecera de súbito, quando uma criança tropeçara ali.
Pouco depois chegava o DOPS, juntamente com dois técnicos em explosivos. Colaram as orelhas esmiuçantes no couro: tique-taque, tique-taque, tique-taque - "só pode ser uma bomba, deve ser um atentado terrorista". "O que fazer?" Reuniu em debate a todos. Abrir a mala ali mesmo poderia ser uma temeridade; talvez, apesar do compasso do relógio, houvesse um dispositivo de detonação ligado ao fecho da mala. Nessa altura, o aglomerado humano, mirando a pasta, ficara imenso. Indecisão. Curiosidade. Afinal o motorista da viatura policial apresentou-se para tomar o risco: levaria sozinho, na camioneta, a pasta até o Instituto. Lá, os técnicos que se virassem. Foi aplaudido e partiu roncando os motores.
No Instituto, a equipe de técnicos mirava a pasta pousada sôbre uma mesa branca. Um dêles, depois de alguma hesitação, lançou a idéia de cortá-la por baixo, a fim de evitar qualquer risco em relação ao fecho. Assim foi feito. Rolou algo e caiu, vibrando, no solo. Correram todos até ali perto: era um coração humano, ainda trepidante, ainda batendo como se fôsse um relógio. "Quem é o criminoso, o tarado que fêz isso?" - gritaram. Remexeram a pasta e, rabiscado a sangue, estava um pedaço de papel: "Amor, amor, amor." Ao lerem o papel, debandaram todos em pânico eterno.
Correio da Manhã
16/04/1969