Chiquinha voltou da praia, de maiô, molhada; eufórica por causa do sol de Copacabana. Entra no banheiro e encontra o marido, Vespúcio, fazendo a barba. Beijou-o, lambuzando os lábios com o sabão, e exclamou eufórica: "que maravilha! que maravilha! - essa praia é de enlouquecer de felicidade; desde que nos mudamos para cá, há um mês, parece que vivo em transe de felicidade – imagine, sair daquela toca na Tijuca e vir parar aqui". Vespúcio limpa o rosto escanhoado com água e diz: "é, mas essa sopa vai-sé acabar." Ela: "ciumento! Só por causa do meu biquíni, que, aliás, é bem discreto?" Êle: "não é, só isso - meu bom senso ditou uma decisão grave - aliás já dei ordens ao Mesquita, aquêle corretor". Ela, tremendo: "que ordens?" Êle: "ora meu bem, é simplesmente isso: vamos vender êste apartamento o mais rápido possível". Ela: "enlouqueceu? quer me matar de susto? Por que essa idéia macabra?" Êle: "nem macabra, nem loucura, estou apenas tomando providências a fim de salva guardar o nosso patrimônio". Ela, arquejante: "doido, doido". Êle: "minha flor, não vou desperdicar em futuro próximo o tutu que ganhamos com a sorte grande daquele bilhete de loteria, comprado na Praça Saenz Pena, depois que aquêle molecote - me chateou horas sacudindo o papel e gritando o número". Ela: "e daí? Êle: "lembre-se que! foi graças ao destino que viemos parar aqui, nesta tua maravilhosa Copacabana". Ela: "e daí, por que a mudança?'' Êle: "porque êste apartamento cinemascópico vai desvalorizar brutalmente e, antes que todo mundo perceba o troço, vou me antecipando ao leilão geral". Ela: "Meu Deus! Por que?" Êle: "por que? - meu bem - por que? - ha! ha! ha! vai ser uma tacada certa, ha! ha! ha!" Ela: "você enlouqueceu mesmo, por que está rindo?" Êle: "estou pensando na cara do trouxa quando passar o abacaxi adiante." Ela: "abacaxi?" Êle: "veja Chiquinha, com essa idéia do Negrão de aterrar a praia de Copacabana é evidente que todos os imóveis aqui da avenida Atlântica vão sofrer uma desvalorização colossal". Ela: "Meu Deus! Não sabia". Êle: "é claro, você não lê jornais, mas eu, quanto a isto, estou sempre atento". Ela: "então…" Êle: ''veja só: essa vista deslumbrante do mar vai recuar até lá longe, passaramos a ver o mar de binóculo; por outro lado, dizem que a própria praia vai ser um chute, nem haverá onda para jacaré; além disso, automóveis correndo a tôda e a briga entre o tigre da Shell e o elefantinho da Esso - seria o inferno". Ela: "e agora?" Êle: "vamos para Jacarepaguá, que será a futura metrópole". Ela, arquejante: "morar em Jacarepaguá? O que dirão minhas amigas?" Êle: "são umas imbecis". Ela: "oh!" Pegou a navalha, cortou em X a cara de Vespúcio se jogou do 9º andar.

Correio da Manhã
26/04/1969