jlg
Xerloque da Silva

  rj  
O inimigo da época

Parou diante da farmácia e leu, com espanto, o anúncio enorme: Livre-te De Tua Solidão - Alimente tua Solitária.
Deu um pulo e entrou, porta adentro, esbravejando: "isso é uma imoralidade, uma indecência! - quem é o dono daqui?'' Avançou um empregado: "o patrão não está, sou eu o substituto". "Pois descolem aquêle deboche da parede imedliatamente, senão trago a radiopatrulha." "Mas que mal tem o anúncio?" - gritou o empregado - "e o que é que tem o senhor com isso?" Lívido, estirou o indicador para o outro: "tenho sim, porque sou uma pessoa de respeito e não posso ser ofendido com essas indecências". "O senhor está maluco, não vê que não há nada de mal, trata-se de um anúncio hippie." Vergou-se sob nôvo espanto: "o quê?" Um anúncio hippie! Largou fôlego: "hoje em dia tudo está de pernas pro ar, nem os anúncios escapam da imoralidade, o culpado é êsse tal de Marxcuse, uma bêsta que esté sendo lida até por garotinhos de 15 anos". O empregado deu de ombros e foi atender outro cliente. O inconformado não deu trágua: "como é, não vai tirar o anúncio?" O outro terminava de entregar alguns envelopes de comprimidos ao freguês e batia na caixa registradora: "como é, vai ou não vai?" - prosseguiu, iracundo. O freguês saiu, olhando algo assustado para o reclamante, enquanto o empregado voltava à discussão: "o senhor, pelo que vejo, é um provinciano, está por fora da realidade, é um moralista ultrapassado". "Ousa me insultar, seu atrevido?" O empregado não sabia se ria ou cedia à irritação. "Fique sabendo que não sou provinciano não, seu mal-educado, moro aqui no Rio há setenta anos, desde que nasci." "Pior para o senhor", retrucou, "Pior, pior? pois saiba que, se ainda houver um mínimo de decência nesta cidade, a polícia virá aqui comigo a fim de tirar da parede aquela imoralidade." "Pois bem" - disse o outro - "se vive aqui e está bem informado, deve saber que vai ser criado "O Dia do Gigolô" - por que não protesta contra isso?" "O dia de quem? que loucura é essa?" "É simples, depois do sucesso evidente do dia da mamãe, do papai, do namorado, da vovó e do totó, será lançada mais essa promoção, da qual se aguarda um belo êxito, mediante um imenso incremento das vendas." "Não é possível!" O empregado, ato contínuo, foi até detrás do balcão, abriu uma gaveta e tirou um folheto que levou ao interlocutor. Este último colou a cara no papel e largou-o como se queimasse: "Meu Deus! o diá do gigolô! voltamos à Sodoma e Gomorra!" O empregado passou à ofensiva: "então, reclama disso, vai reclamar dos grandes, vá à polícia ou à associação comercial, em vez de implicar com a nossa modesta farmácia - e agora passe bem que tenho mais o que fazer".
Saiu dali aturdido e vaiado pelos espectadores da discussão. Sentiu-se marginal, sentiu o néctar da folia escorrendo lhe nas veias da testa. Empinou-se no meio fio e desentranhou um berro: "viva Sodoma! viva Gomorra!'' Emitiu o dó de peito: "o mundo é da camorra!" Agarrado pelos guardas, foi prêso e, depois, autuado na Delegacia de Costumes.

Correio da Manhã
21/06/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

84 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|