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Xerloque da Silva

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O Marciano

Passava na Avenida Rio Branco, esquina de Sete de Setembro, quando viu o aglomerado de pessoas discutindo ao lado da banca de jornais. Parou para escutar. Dizia um mulato sarará: "Desde que o Otávio Pinto Guimarães assumiu a presidência da Federação, não marcaram um pênalti sequer contra o Botafogo, é um escândalo!" "É isso mesmo" - completava um pau-de-arara de terno incolor e calças largas, arrastando no chão: "Dizem que êle preside as reuniões já com a camisa do Botafogo." "Na verdade - entrou firme um cobrador de seguros, brandindo a pasta - êle devia renunciar ao cargo para pacificar o futebol." Pulou um contínuos "Se marcarem pênalti contra o Flamengo, 200 mil pessoas vão invadir o gramado, com fôsso ou sem fôsso, chega de roubo!" Havia um côro ululante e um homem baixinho defendia o Botafogo ferozmente: "Vocês são uns invejosos! Não há complô, o complô é a eficiência do Botafogo!" "Eficiência no tapête, no tapête!!" - berrou um crioulo de camisa rubronegra. Alguns palavrões salpicavam o debate público, espontâneo.
Foi aí que se irritou e resolveu intrometer-se: "É por essas e outras que o Brasil não vai pra frente; vocês aí, parados, sem trabalhar, discutindo futebol - por isso a inflação galopa." "Cala a bôca!" "A conversa não chegou na cozinha!" "Vê se não enche!" - imprecações choveram sôbre o quixote do asfalto. Mas não se deu por vencido: "É isso mesmo, não têm vergonha? Galalaus vadios, por que é que não estão plantando feijão?" O pau-de-arara, num salto felino, abotoou-lhe o paletó: "Seu intrometido, seu palhaço!" Arrematou o crioulo de camisa rubronegra: "Se a coisa é fácil, por que é que não me arranja um emprêgo? Estou atrás de um há vários meses." Um cachaceiro, esbarrando em todos, comentava: "Trata-se de um moralista, um reles moralista." O continuo berrou: "Já vi tudo, é um botafoguense querendo tumultuar nossa assembléia, está querendo desviar o assunto." O pau-de-arara sacudiu-o: "É bem possível, confessa!" Gritou um molecote descalço: "É um espião do Botafogo!" Pau-de-arara: "Confessa logo, vamos, se não vai apanhar já e já!" Êle caiu na defensiva: "Não é nada disso, estão loucos, loucos!" "Vamos revistá-lo" – disse o cobrador. "Vamos ver se tem carteira de sócio do Botafogo." Foi seguro, enquanto o pau-de-arara varou-lhe todos os bolsos com as mãos. Nada. "Diz, qual é então o teu time?" "Fala logo!", completou o molecote. "Não, não tenho time." Côro maciço: "O quê?" Aprumou-se, já livre das garras do pau-de-arara: "Não ligo pra futebol, não tenho time." Surprêsa em côro: "O quê?" Cachaceiro: "Quem não tem time não tem identidade, é um pária.” "Deve ser um marciano!" - berrou o cobrador. "Marciano!!!" - saíram todos a correr em pânico, deixando-o sozinho, amarfanhado.

Correio da Manhã
01/06/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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