O contrabandista entrou assobiando, com a maleta gorda nas mãos, numa das repartições. O pessoal foi logo saudando, enfórico: "Oh, Seu Souza, há quanto tempo!?" Ou então: "Andou sumido, hein! As coisas estão ficando apertadas". Sentou-se, aceitou um cafezinho, e comentou: "Que nada, que nada, as coisas melhoraram muito para nós – eu, aliás, estava sumido porque não dava conta de tantas encomendas". "É" - disse o chefe - "mas acabam de fechar uma fábrica de uísque falsificado logo ali, na Sacadura Cabral". "Ora, o senhor sabe que eu não trabalho com êsse tipo de mercadoria, meu, negócio é honesto, meu fornecedor de tôda confiança". "Sei, sei" - retrucou o chefe - "mas confesse que a barra anda pesada". "Creia o senhor qué é apenas farol, pois, ao contrário do que pensa, o contrabando voltou aos tempos de glória". "Como?" "Por causa da política de subir as alíquotas das mercadorias importadas - a preocupação é tamanha com o consumo supérfluo, que se acaba por tomar medidas supérfluas e prejudiciais - Ah!, se eu tôsse ministro''. "O que faria?" "Ora, revogar a legislação, porque, em vez ,de nos preocuparmos com o consumo supérfluo, deveríamos nos preocupar com os nossos investimentos supérfluos, ou seja; as fábricas de uísque, perucas, vinhos etc - o senhor não leu os artigos do Roberto Campos?". A essa altura, o bôlo de funcionários em volta de Souza era enorme e silente, ouvidos fincados em sua teorização econômica. "Veja o senhor, antes da subida das aliquotas, passamos um mau pedaço, eu já estava mudando de ramo e começando a trabalhar numa oficina de pneus, porque o consumidor de uisque, perfume, perucas e outras superfluidades comprava tudo na loja por preço pouco maior do que o do contrabando - importava-se furiosamente ás superfluidades para a minoria que podia pagar por elas". "E agora?" - veio a indagação em uníssono. "Agora, o pessoal prefere transacionar ilegalmente por causa da diferença brutal de preços, mesmo porque os senhores não estão aparelhados para combater a contravenção que, inclusive, tem ramificações internacionais - perdem todos, ganhamos nós, pois desestimula-se a importação honesta e o Erário, apesar do aumento de 100% nas tarifas, arrecada muito menos" "Mas e a indústria nacional?" "Aí está, a indústria de um pais em desenvolvimento deve estar voltada para carros, navios, tratores, refino e outras coisas básicas de interêsses geral e, não, uísque, vodca, perucas ou brinquedos". "Que cultura!" - "o senhor devia estar no Planejamento". "É". - aparteou o chefe - ''embora inteligente, o senhor é cínico e entreguista". "Leia M.aquiavel, meu caro, para saber como se faz a política; mas, tenho de me ir, o que é que o senhor quer, Cavalo Branco ou Chivas?" "Chivas", respondeu. ''Também queremos Chivas" bisou o côro. "Que país! que país!”, disse o contrabandista.
Correio da Manhã
30/05/1969