Vinha passeando na calçada, defronte ao velho prédio gótico, quando, bem do alto, aparentemente de uma torre, ouviu os berros tremendos: "Ai! ai! ai!' Parou, assestou os ouvidos. Pouco depois, voltaram, infalíveis: "Ai! ai! ai!" Hesitou - o prédio em sinistro e nada parecia quebrar o silêncio secular, senão os berros. Estava com a mão na consciência ("por que vou meter a mão em cumbuca?"), quando mais um ai-ai-ai obriga-o a tomar a atitude.
Ia acionar a sinêta do portão alto, de ferro, porém achou mais prudente tentar a entrada de surpresa. Enfiou a mão ("ai! ai! ai!") entre dois trançados de ferro e conseguiu, com muito custo, depois de se escalavrar nos braços, destrancá-lo. Abriu-o cuidadosamente e varou o jardim. Súbito, um imenso cão policial emite latido virulento (au! au! au!) e fisga-lhe o pescoço. Rola no chão em desespêro e, após luta tremenda, conseguiu livrar-se do animal e voltar correndo no portão, batendo-o no focinho do bicho. Os berros somaram-se aos latidos: "Ai! au! ai! au!"
Entrou na delegacia rasgado, lanhado, lambuzado de sangue. O detetive deu um pulo, ao vê-lo naquele estado e, logo, atendeu ao pedido para falar com o comissário de dia. Diante dêste último, explicou a história e arrematou: "Doutor comissário, pelo visto, os sádicos abandonaram o prédio e deixaram uma mulher prêsa na torre submetida, talvez, a padecimentos implacáveis". "Então vamos lá com o senhor." "Mas aconselho-o a levar um choque de pêso, doutor comissário, porque, além do cão terrível, talvez seja necessário arrombar várias portas."
Chegaram perto - êle disse: "Ouçam" - do alto vindo a resposta: "Ai! ai! ai!". "É mesmo", disse o comissário - ato contínuo, acenou para a turma e gritou: "Manda brasa!" "Au! au! au!", foi a resposta desafiadora do cão. Abriram com estrépito o portão - "au! au! au!" – o animal avançou sedento, enquanto, lá em cima, voltaram a tinir os berros: "Ai! ai! ai!". O cão, num salto, agatrou o comissário pela calça do terno branco. Rolaram, a turma segurou o bicho: "Au! au! au!" e conseguiu desgrudá-lo, enquanto um grupo arrombava, a tiros e pontapés, a porta da frente. Projetou-se o cão sôbre eles - au! au! au! - ao passo que o comissário gemia de dor: "Ai! ai! ai!''. Lá em cima, lancinantes, os berros: "Ai! ai! ai!". Os policiais não tiveram outra alternativa senão fuzilar o cão, que tombou rachado de balas. A seguir, foram subindo escadarias e escadarias - os berros mais perto: "Ai! ai! ai!". "Está na torre, na torre". Chegaram esbaforidos, enquanto um homem, que entrara na casa, seguia-os à tôda, gritando: "Parem!". Arrombam a porta da tôrre e penetram de armas em punho e vêem um papagaio no poleiro: "Ai! ai! ai!". O comissário, completamente manco, disse ao denunciante: "O senhor é um, palhaço!". "E eu vou processá-lo" - disse o sujeito que chegara, espetando o dedo no nariz do comissário - "por invasão de domicílio, danos materiais e assassínio do meu cão". "Ai! ai!", gemeu. "Ai! ai! a'i!", refletiu o papagaio.
Correio da Manhã
18/05/1969