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Xerloque da Silva

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Cleptomania

A mulher entrou no recinto do supermercado, olho para os lados, avançou até o setor onde se vendia latinhas de salmão importado, olhou novamente para os lados abriu a sacola, pegou as latinhas e jogou-as lá dentro. A seguir, encadeou passinhos furtivos, foi até outra prateleira, pegou duas caixas redondinhas de marrons-glacés, olhou outra vez para os lados e colocou-as na sacola. Começou a assoviar no meio do burburinho, quando a mão férrea, máscula, pousou firme nos seus ombros. Virou-se e deparou com um homenzarrão a fitá-la com um misto de desprêzo e censura. "Tire a pata do meu ombro, seu atrevido!" "Ora, ora, a senhora sabe com quem está falando? sou o subgerente dêsse troço e acabei de vê-la roubando mercadorias - a senhora é uma ladra". Deu um pulinho felino e enfatizou: "ladra não, cleptomaníaca!" "Ora, ora, não enche, vamos, despeja isso tudo aí da sacola e vamos até lá fora." "O quê? seu moleque!" A esta altura o escândalo já estava formado, cercados os dois por vários fregueses. "Moleque? moleque é o seu pai!" Ato contínuo, o homenzarrão arrancou a sacola das mãos dela e atirou no chão o seu conteúdo: "está vendo? tudo roubado - a senhora não tem vergonha? uma mulher de posses, nem sequer é uma miserável, fazendo êsse papelão?" "É isso mesmo!" - gritou, dando apóio, um nanico de bermudas e sandálias japonêsas. Todos olhavam-na com ar de reprovação e aguardavam o desfecho do caso. "Vamos, vamos, me acompanhe e dê graças a Deus por eu não entregá-la à polícia. Ela, aos brados, reiniciou a contracarga: "nunca fui tão destratada assim! vou dar queixa ao meu marido!" "Ora, ora, e quem é seu marido?" - e empurrou-a até a porta ela rua. "Desaforado!" "Safada!"
No dia seguinte, mal chegou no supermercado, um outro empregado avisou-lhe que o chefão, o dono do negócio, estava no escritório lá no segundo andar e queria falar com êle. Pensou logo que iria ser promovido a gerente devido à eficácia supercomprovada. "O senhor é um mal educado, um grosso!" disse-lhe o gordão com charuto na bôca, mal o viu entrar, cumprimentando afável. "Mas como, seu Mascarenhas?" "O senhor destratou, xingou a minha mulher." "Mas não sabia que era sua mulher, ela estava tirando as coisas." “Sei disso, ela é cleptomaníaca e, por isso, só a deixo frequentar o meu estabelecimento, onde pode exercitar sua arte à vontade." "Desculpe…" "De outra vez, comporte-se; e agora saia, já!'' Desceu frustrado.
A tarde, estava em seu pôsto de vigilância, quando viu a mulher entrar de nôvo, com a mesma sacola, girando, pelo supermercado. Aproximou-se sorrindo, correndo: "boa tarde madame, esteja à vontclde, pode tirar o que quiser, eu ajudo a colocar na sacola". Olhou-o feroz: "irresponsável!" "Mas como?" "Seu inepto, as mercadorias estão aqui para serem compradas, pagas, e, não, para serem furtadas - está pensando que eu sou o quê? Vou denunciar a sua irresponsabilidade ao meu marido." E disparou para o 2.º andar. Tomado de crise, êle então pegou uma vassoura e girava com ela por sôbre a cabeça, derrubando, quebrando tudo: "não sou cleptomaníaco, sou grôsso, sim!"

Correio da Manhã
17/05/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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