Abriu a janela e viu a mulher mudando de roupa no quarto em frente. "Ôba! Ôba! Temos vizinha nova, gritou para o amigo que, deitado na cama, iniciava o ritual de cheirar éter. O outro deu um pulo, enquanto êle ia até ao armário apanhar o binóculo.
Debruçaram-se na janela: "Ajeita logo o foco! Oh!, que coisa maravilhosa!" O strip-tease involuntário joi incompleto. "Oh! Fechou a cortina." Passaram o resto da noite esperando nova oportunidade. A mãe dêle já gritam várias vêzes: "Otavinho, o jantar está na mesa." E êle; "Guarda os pratos, guarda os pratos, estou estudando com Celso, amanhã temos prova de Direito Comercial." Debalde. Por volta de meia-noite, Celso desistiu, prometendo retornar no dia seguinte.
Mas, não veio. Otavinho permaneceu solitário na vigília. Fazia tudo na janela, desde escovar os dentes, cuspindo na calçada, até almôço, lanche e jantar. Mas, neca. A janela da nova vizinha permanecia fechada. Já sentia ciúmes (que estará fazendo ali dentro, fechada? Será casada? Tem amantes? Mora sozinha?"). As duas da manhã foi derrotado pelo sono: largou o binóculo em cima da cadeira e atirou-se na cama, com a luz acesa mesmo, depois de haver arremessado a calça no chão.
Súbito, pelas quatro da manhã, acorda; tinha começado a ventar e o ar batia em suas costas. Resmungou e virou-se ligeiramente ainda com preguiça de se levanter. Foi então que notou a mulher na janela. Imobilizou-se. Notou mais ainda com espanto: ela estava de binóculo também - e olhando logo para quem? Para êle!!! Euforia. Continuou imóvel, acompanhando os movimentos da vizinha. Ela não se mexia, com as lentes assestadas na direção do seu corpo. Retezou-se. Fingiu que dormia esperando a chance de qualquer sinal. De repente, criou coragem e começou a acenar para ela com gestos rasgados. Sumiu a figura de binóculo da janela. Foi a sua vez de continuar a vigília. Em vão - amanheceu sem outras novidades.
Resolveu não perder tempo. Desceu às 6 da manhã e foi indagar ao porteiro do edifício em frente a respeito da moradora: "É linda! É linda!" repisava o porteiro, diminuindo o rádio de pilha, "mudou-se para cá há três dias, mora sozinha". "Vou lá - e agora - no peito." "É, mas tem um cara que já foi lá nestes três dias, deve ser seu amante." “Não faz mal." Subiu e apertou a campainha, nada, bateu, nada, experimentou o trinco, a porta se abriu. Entrou, pé ante pé, chutou duas perucas no chão, e viu um homem adormecido na cama. Surprêsa - procurou-a e nada. Apanhou uma das perucas e ficou olhando-a terno, quando o sujeito acorda e berra com estridência feminina: "Socorro! Pega! Pega! Ladrão de perucas!" Desmaiou no colo do travesti.
Correio da Manhã
15/05/1969