O cassino clandestino da estação de águas regurgitava em luzes, longos, pallazzos, smokings e summers. Os croupiers, finos, experimentadíssimos, faziam, com as fichas; verdadeiros leques, sanfonas ou línguas de sogra. A um canto, o prefeito dizia ao banqueiro: "vêja o senhor, que coisa linda o jôgo! e a assistência social e o progresso; com os cassinos na legalidade não seria preciso o Govêrno gastar dinheiro asfaltando estradas, construindo escolas; e o mercado de trabalho: garçons, motoristas de táxis, barbeiros, vendeuses - veja a felicidade desta gente, isto é um templo! digo e repito: um templo!" Respondia o banqueiro: "evidente! evidente!" A um canto, o grande matemático, general Venâncio, implacável na aplicação da lei das probabilidades: "só prêto e vermelho, par ou ímpar, grande ou pequeno, ou as três dúzias - nada de pleno, meio, linhas, ruas e quadras". "Êsse nosso Venâncio" - dizia o dono do cassino ao prefeito - "é uma enciclopédia, uma academia de contenção". Adiante, Madame Lilica esparramava fichas de 5 cruzeiros novos por tôda a mesa. "Veja aquela", dizia o banqueiro, "gastando a fortuna do marido". "Ao menos", atalhou um homem de monóculo, "consegue evitar que o marido gaste mais com as amantes". "Apresento-lhes o professor Fanjul", disse o dono do cassino, empurrando o homem do monóculo mais para dentro do grupo. "Vejam quem chegou", disse o prefeito, apontando para a esquerda. Viraram-se: era dona Violante com o seu vidente, de turbante e tudo, a tiracolo "Meu Deus!", disse o dono do cassino, "dizem que aquêle cara prevê tudo que vai dar; é chamado o Arigó da roleta". "É" - falava uma nanica de cabelos ruivos -, "ela prometeu que traria hoje o professor Zerthum, para ver, se o pessoal se safa dos prejuízos. "E o senhor não pode proibir", arrematou, autoritário, o prefeito ao dono do cassino. "Oh!". "Vamos ver se ganhamos", falou Fanjul. Multidão acercou-se do turbante, após o zum-zum ter circulado pelo salão. "Esperem êle entrar em transe; não apostem já", advertiu dona Violante. Pouco depois, o vidente começava a tremelicar e girava no mesmo lugar. "Está arregalando os olhos", disse o filho de um senador. Até o general Venâncio abandonam a lei das probabilidades. O vidente começou a balbuciar qualquer coisa: "de… de… de…” "Vai indicar o número dez!" berrou a nanica. "Silêncio", retrucou o prefeito. "De… de… dêem o fora a polícia está chegando!" Pânico, barafunda, correria. Dispararam todos, deixando o vidente solitário, em transe.
Ao raiar da aurora, pé ante pé, o dono voltou ao cassino silente. Estranho - não havia sinal da passagem da polícia. Correu até a caixa-forte e achou o caixa atado e amordaçado, o cofre vazio. Livrou-o. O outro: "foi ele!'' "foi ele!" Olhou para a mordaça nas suas mãos e viu que era a turbante do vidente: "'miserável! vou dar parte à polícia". E disparou escorregando pelas fichas no solo.
Correio da Manhã
10/05/1969