Entrou no gabinete do agente do Impôsto de Renda. Sentou-se: "O que é que há contra mim?" O agente, alto, magro, olhava para o gordinho perplexo - ofereceu-lhe o cafezinho que, amiúde, precedia as grandes tragédias fiscais. O gordinho sorveu o líquido semifrio, puxou o maço de cigarros, ofereceu, o agente aceitou, acendeu tudo com o isqueiro e voltou à contracarga: "O que pode haver contra mim? Pago em dia, não sonego, entrego minhas declarações em dia, bem feitinhas." "Pois, fique sabendo que tenho aqui, um enorme dossiê contra o senhor." "Dossiê? Enorme? Por quê?" O outro virou-se para o contínuo, até então imóvel: "Lauro, abra o armário à direita e apanhe aquela pilha de pastas na última prateleira." Executada a ordem - o contínuo depositou na mesa grande nada menos do que uma dúzia de pastas volumosíssimas. ''Meu Deus, o que é isso?" "É o dossiê", disse o agente, agora oferecendo-lhe um cigarro. Aceitou e caiu na poltrona: "O que é que tem aí dentro?" "Recortes, cavalheiro, recortes." "Recortes?” De quê?" "Tudo aí são crônicas sociais, onde o seu nome circula larga e faustosamente." "E daí? - sou conhecido, sou de família tradicional." "E daí foi que nós verificamos que, de acordo com a sua modesta declaração de rendimentos, jamais poderia levar a vida que leva." "Como?" "Vou dar-lhe exemplos." Começou a folhear ao léu uma das pastas: "Aqui está: jantou no dia 10 de outubro no Chateau, com 5 pessoas, pagou a conta de 220 cruzeiros e depois foi ao Sucata, onde, só de uísque escocês, consumiu litro e meio; no dia 2, jantou no Bec Fin, com 2 mulheres, pagou a conta e mergulhou no Le Bateau com elas, gastando, só numa noite, 800 contos; e daí por diante, veja, no dia 3 passou horas fazendo o jôgo de mímica na residência de dona Lalá." "E então? O jôgo de mímica não custa nada." "O senhor sabe que, enquanto joga mímica, operários pobres estão asfaltando a Belém-Brasília?" "Então? "Então? - veja: passou a semana de 7 a 14, em São Paulo, na Rua Major Sertório, gastando cem contos por dia com maripôsas, fora o uísque derramado; foi cêrca de 2 milhões - com isso o Govêrno paga mais de dez operários por mês na Belém-Brasília." "Andam me seguindo?" "Há um sujeito que segue seus passos há oito meses." "Ai, ai." "De modo que, segundo os cálculos do cérebro eletrônico, o senhor deve ao Erário 515 mil cruzeiros novos e 25 centavos, fora multa, juros e correção monetária." "Ai, ai." "Vai pagar agora?" "Não diga nada a minha mulher." "Por quê?" "Seria penoso." "Mas, ela foi a nossa principal informante; é a nossa agente e, além disso, quer processar o senhor por adultério continuado e prodigalidade." "Meu Deus, aquela santa falsa, traidora." "Vai pagar?" "Ai, ai, ai, aaaaái!" Caiu no monte de processos e voltou à infância para sempre.
Correio da Manhã
07/05/1969