Cinco horas da manhã - dia clareando. Os dois rapazes estavam-se preparando para sair da garçonière, após uma noite de farra intensa. Domingo, ainda deserto, lá embaixo na rua, divisada de um sexto andar. Pouco depois, começou-se a ouvir o estalar crescente contínuo de patas de cavalo sobre o asfalto. O ruivinho foi até a janela, abotoando a camisa - olha para baixo - pasmo - uma mulher nua montada num cavalo branco, os cabelos louros escorrendo pelas costas até a cela - ninguém na rua, nem nas janelas. Gritou para o outro, lá no banheiro: "Venha ver! Venha ver! Lady Godiva". O amigo pulou do chuveiro e falou: "É rapaz, vocé ainda está ruim, tomou uísque demais e, além de tudo, era nacional". Toc-toc- toc - o ruído no asfalto desmentia qualquer idéia de miragem: "Vem cá! Depressa! É ela mesmo! Ou uma louca!" O moreno foi-se aproximando, despido, esfregando a toalha nos cabelos: "Ora, Rufus, tome logo um copo de leite - Meu Deus! Não é possível! Tem razão! Que beleza!" O ruivo arrematava: "É linda! Vamos correndo lá embaixo".
Dispararam pelas escadas abaixo, acabando, em trânsito, de enfiar as roupas e os mocassins. Na rua, começaram a correr atrás do cavalo, mas ela, mal percebeu a presença de gente, sem se virar para trás, acionou as rédeas e o animal começou a correr. Nem hesitaram, saltaram pelo fusca do Rufus adentro e iniciaram a perseguição. O cavalo parecia voar, o carro ia a cem quilômetros e descontava pouco, mas, passado algum tempo, viram-na atravessar, lá ao longe, os portões de um casarão.
Estacionaram defronte. Nenhum barulho mais. Escalaram o muro devagar, em silêncio – não havia cachorro, pelo jeito. Circularam, pé ante pé, pelo jardim da frente, seguiram depois até os fundos. Nada. Voltaram à porta da frente e encostaram os ouvidos na fechadura. Abriu-se uma portinhola lateral e apareceu um mordomo com pose de Conde Drácula, costeletas encanecidas: "Que desejam?" Explicaram o ocorrido. "Os_ senhores deliram, queiram retirar-se". Entreolharam-se indecisos. De repente, soaram, no alto, gritos de mulher, acompanhados de um relinchar dolorido. "É ela, é ela!" – empurraram o mordomo, vararam a portinhola e subiram a jato pelas escadarias, o mordomo atrás, a berrar: "Voltem!" Abriram uma porta barrôca e alta e viram cena das mais insólitas: "A loura nua, facão em punho, retalhava uma tela antiga que reproduzia exatamente o cavalo branco; cada golpe era seguido de um relincho." Pararam estarrecidos. Ela se voltou e um rosto horrendo e descarnado era emoldurado pela cabeleira e encimava o corpo escultural. Estupor, espanto. Salta sôbre êles, facão em riste. Tiros racham seu peito e cai, inerte, horrenda. "Capricho impossível, minha filha", disse o mordomo em prantos.

Correio da Manhã
06/05/1969