Arregaçou as mangas, arreganhou os dentes, arregalou os olhos e arremessou-se sôbre o play-boy à sua frente: "Vou te arrebentar!". "Arre! Arre!" A namorada ainda tentara detê-lo, gritando "pára! pára!” Em vão: numa fração de minuto aplicara todos os golpes do seu repertório de capoeira, karatê, jiu-jitsu, judô, boxe e, até lutalivre. O alvo humano, ali no chão, já era uma massa informe, inerte, quando foi arrancado de cima dêle por um guarda e mais seis galaláus. Arfava, arfava, encostou-se no muro, estava saciado - sentia dentro de si uma espécie de bem-estar. Ela dizia-lhe: "Você exagerou Silvério, êle mexeu comigo porque eu ia um pouco na frente e não sabia que estava acompanhada."
(Silvério, enfim, tivera o seu grande dia, Há cinco anos que frequentava tôdas as academias possíveis e sabia de tudo, na teoria e prática, sôbre várias lutas. Mas enjoara daqueles treininhos com quimono ou em cima de colchões, com o mestre faixa-preta a dizer pára! pára! na hora crucial. Precisava dar vazão às suas virtualidades físico-dinâmicas, mas, na vida real a ocasião não aparecia. Um, dia chegou a vestir-se de mulher a fim de ver se alguém o provocuva, mas qual nada. Às vêzes, pisava os pés dos homenzarrões dentro dos ônibus, pedia desculpas e ansiava uma resposta grosseira para que o processo tivesse início, porém, por azar, sempre ouvia o educadíssimo: "Por nada, por nada." Pois era preciso ter razão na briga. Ia ficando neurótico devido à contentação obrigatória. Certa vez foi mais longe: entrou com decisão e ar desafiante por uma favela adentro, à meia-noite, e nada - nada! E sentia que, cada vez mais, necessitava desencadear a parafernália muscular: tentou a luta livre, mas em tôdas as promoções, ficou ciente da marmelada, onde o sôco explosivo não poderia causar efeito pior do que tapinha ou apalpadela. E continuava treinando e treinando. E eis que, quando menos esperava, caiu o presente do céu, na forma daquele rapazola que, inadvertidamente, abordou a namorada).
Saciado, passou o braço pelo ombro dela, e seguiram caminho, enquanto soava a sirena da ambulância em socorro da vítima. Trazia em si um misto de euforia e de arrependimento. De repente, ela para e diz: "Você é um brutamontes, tire a mão de mim!" "Por, que Corinha, por quê?" "Tarado! tarado! deixe-me! vou acompanhar o rapaz até o hospital." E disparou até a ambulância, entrando a tempo pela porta de trás. Sirenas. Num relance, êle perdeu a cabeça e projetou-se em salto felino sobre o veículo em movimento, agarrando-se ao motor. O carro voou sem direção sôbre um muro de pedras. Quando o chofer deu a ré, havia um emplastro humano colado no radioador
Correio da Manhã
03/05/1969