A mulher perambulava com os embrulhos das compras, quando olhou para o alto e deu um berro lancinante. Na janela do 12º andar de um edifício, estava de pé um sujeito, de paletó e gravata, cabelos desgrenhados, ameaçando saltar no asfalto, como mergulhador estilo anjo. "Olha o suicida! Olha o suicida!"
Multidão formada, todos olhando pam cima. Acorreram logo as carrocinhas de pipoqueiros e sorveteiros. Um sujeito de bermudas correu para o telefone da farmácia, a fim de chamar a Polícia, o pronto-socorro e o Corpo de Bombeiros. Mas, antes de chegar lá, voltou-se para a massa e gritou: "Se êle se jogar, chamem-me logo, sem falta, por favor!"
O sujeito continuava ameaçando o pulo, mas hesitava. Vai-não-vai. Um bando de colegiais saiu da escola e veio colorir a turba, com seus uniformes azuis. Uma mulher, desmaiou e foi carregada pelo caixeiro até o armazém. Uma velhinha em decomposição corpórea sacou imenso rosário de seu desbotado vestido estampado e começou a rezar aos murmúrios. "Parece que é agora", disse um sujeito com "Eski-bon" na mão. Pescoços em riste. O suicida dobrou os joelhos, olhou para baixo, cerrou as pálpebras e deixou-se tombar. Mas o impulso não foi dos mais decididos e caiu, um metro adiante, sôbre o parapeito do apartamento embaixo. Foi o bastante, contudo, para que um frisson mórbido eletrizasse a platéia. Lá ficou êle, de bruços, arfante.
A confusão já era total - trânsito interrompido. Com muito esfôrço foram chegando a Polícia, pronto-socorro e bombeiros. Largaram os veículos na rua de qualquer maneira e foram desbravando passagem entre a multidão.
Lá em cima o nosso herói, mal percebeu o movimento dos homens uniformizados, procurando entrar no prédio, ficou novamente de pé e voltou a ameaçar um pulo. "Quem é?", indagou um sujeito com pasta debaixo do braço. "Parece que é um dos sócios de uma companhia de investimentos falida", disse um carregador. "Não" - atalhou um - rapazola de calça de veludo -, "dizem que é ator do cinema nacional e está desiludido de amor". "Será um subversivo?" - perguntou um senhor careca de gravata borboleta.
No corredor, os bombeiros e os policiais já tinham atingido à porta da sala, mas esta permanecia trancada. Tentavam arrombá-la. O suicida ameaçou um nôvo salto. "É agora!", disse o entregador da tinturaria, montado na bicicteta. Nada - êle se arrependeu e pulou para trás, caindo nos braços dos guardas. Quando desceu, escoltado, foi vaiado com estrépito. Tentaram linchá-lo, aos gritos. De "covarde!", e a Polícia só conseguiu pô-lo no carro à força de cacetadas em cabeças iracundas .
Correio da Manhã
01/05/1969