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Xerloque da Silva

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Cigarro proibido

Estava tranquilo na buate, sentadinho, à espera da namorada. Tragava uma dose de Black Label e, sôbre a mesa, aberto, um maço de Kent. Olhou o relógio, ao luscofusco, e notou que ela já estava atrasada uma boa meia hora. Iam encontrar-se daqui a pouco, haveriam de divertir-se como sempre e, depois, as despedidas algo chorosas por causa da viagem que êle faria à Europa, onde cumpriria a estada de um mês.
Continuava divagando em venturas, quando ouviu a voz rente à orelha esquerda: "O senhor me permite?" Olhou para o lado e viu um camarada calvo, de meia idade, magro, esticando o braço e pegando o seu maço de Kent. "Pois não, pode filar, pode filar"- respondeu. "Não, não quero filar, não fumo", disse o sujeito, sem encará-lo, pondo os óculos e examinando o maço de cigarros. "Então o que quer? Curiosidade?" O sujeito não respondeu logo; continuava revirando o maço e examinando o sêlo azul. Já se ia levantando para tomar satisfações quando o outro falou, afinal, com voz suave: “O senhor tem de me acompanhar." Pulou: "Que história é esta?" "Está prêso." Pulou mais ainda e já falava em voz alta: "Se eu estou prêso, o senhor está maluco." O calvo, então, ato contínuo, sacou uma carteirinha do bôlso e mostrou-a junto à lâmpada: "Está vendo? Sou autoridade federal, sou do Ministério da Fazenda e também da repressão ao contrabando." "E daí?'' "E daí? E daí, que o senhor violou a lei e estava consumindo mercadoria contrabandeada, ou seja, êsse maço de cigarros sem o sêlo." Perdeu a cabeça: "Há, há; há, essa não!" "Essa não, por quê?" "Ora, meu velho, então todo mundo fuma cigarros estrangeiros e sou eu que vou pagar o pato?" O outro: "O argumento do senhor, data vênia, é inócuo." "Inócuo? Ora" - e começou a se abanar com o cardápio - "Tenha dó, nesse calor!" O calvo continua inflexível na voz dosada: "O senhor vai me obedecer, ou quer que eu chame refôrço policial?" Desespêro: "Parto amanhã para a Europa, em viagem oficial." "Não é da minha conta." Uma voz feminina interrompe o diálogo: "Pedrinho, não me apresenta ao seu amigo?" "Florinda!" O calvo afastara-se, discreto. Sussurros. Ela, um minuto depois, vira-se para o agente e abre a bôlsa: ''Prenda-me também, aqui está meu maço de L&M.” "Minha senhora!" "Cumpra seu dever." Escândalo. Chega o "leão-e-chácara", pedindo silêncio - todo mundo olhava o trio. Quando soube do caso, abriu um berro de espanto: "Não é possível!" Os demais fregueses se acercam e ouvem a notícia. Soa o iê-iê-iê. Todos sacam os seus maços estrangeiros e começam a dançar em volta do calvo, cantando e empunhando os cigarros: "Eu fumo, tu fumas, êle fuma contrabando." Zoada infernal, o calvo tomba tonto no meio da roda. O "leão-de-chácara" carrega-o nos braços para um canto e deixa-o lá. Quando despertou, já era dia claro e se viu debaixo de um monte de maços de cigarros americanos. O velhinho da limpeza - vassoura no ombro - encarava-o com ar de reprovação. Desmaiou de novo.

Correio da Manhã
29/04/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

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