Entrou no cinema no meio da sessão. Sentou-se, duas cadeiras adiante de um outro sujeito, na mesma fila. Na tela, escorria uma fita tcheca, chatíssima. Começou a olhar para os lados, para trás, a fim de ver se havia alguém dando sopa. Nada, cruzou as pernas. Logo em seguida teve de descruzar, resmungando, porque um casal passava e veio a sentar-se (a mulher ao lado dêle) exatamente nas duas cadeiras que, até então, separavam-no do outro espectador. O filme prosseguia, intolerável - nem ao menos era colorido. Já estava pensando em ir embora, quando manjou a mulher. Era das boas e as pernas cruzadas mostraram-lhe, na penumbra, sugestões bem eróticas. Ficou. O marido arriara-se na cadeira e assistia à fita comendo pastilhas de chocolate. Ela permanecia menos atenta à tela, semi-erguida, com ar de inquietação. Resolveu paquerar e ficou olhando. A mulher fingiu não reparar. Encostou-lhe o cotovelo e ela não fêz movimento algum de recusa. A saia subiu mais ainda quando se moveu ligeiramente. Êle começou a fazer a mão descer pelo braço da cadeira, o seu braço como uma cobra. A mulher, aí, estava quase com a imobilidade de estátua. O marido lambuzava-se no chocolate e, vez por outra, emitia uma risota. Pensou: "É agora!" - e passou a mão de rijo. "Sai! sai!" - berrou a mulher. Os espectadores viram a silhuêta do guarda-chuva do marido girar sôbre as imagens na tela: "Seu vagabundo!", gritava também o sujeito enfurecido, despertado do torpor cinechocolático.
Já correra, lépido como lebre, pelo corredor, enquanto o escândalo ficou formado. Assobios, vaias. Empurrou um vagalume que tentara detê-lo e entrou no banheiro de mulheres por engano. Lá dentro estavam duas velhuscas, que começaram a berrar a plenos pulmões: "Socorro! olha o tarado!''. Não teve outra alternativa senão trancar a porta por dentro.
Enquanto isso, na sala, após a bagunça e o vozerio de praxe, o filme foi interrompido e acenderam-se as luzes. "Pega o bolina!" - vinha o marido gritando à frente, guarda-chuva em riste, acompanhado em côro por um bando de play-boys: '"Pega! Pega!". O gerente do cinema, seguido de empregados, foi até a porta - tentaram arrombá-la, ninguém tinha fôrça: "Saia daí seu safado", comandou - "ai, ai, ai!", só se ouviam as vozes das velhuscas. Êle, enfim, escapou, pulando o basculante e caindo de pé no corredor lateral que dava para a rua.
Arrombada a porta do banheiro, as velhuscas foram encontradas desmaiadas. Tudo pronto para recomeçar a sessão, o gerente já apertara a campainha, quando o marido deu por falta da mulher: sumira com o sujeito que estava sentado ao lado dêle. Deu o alarma; luz acesa de nôvo, as velhuscas desmaiaram outra vez. "Palhaço!" - berrou tôda a platéia.

Correio da Manhã
24/04/1969