Sentou-se no restaurante de luxo e quando o maitre, com passos de veludo, se aproximou e o garçom lhe apresentou o menu, forrado em capa de couro cru, disse em alto e bom som: "Me vê o prato comercial da SUNAB, aquêle de picadinho com repolho." Espanto. Desprêzo. O maitre já se afastara e o garçom olhava-o, enquadrava-o de alto a baixo. Em volta dêle, nas outras mesas, começou o zunzum dos fregueses. Mulheres olhavam-no, rindo. Depois de cinco minutos naquele misto de galhofa e mal estar geral, o garçom voltou e atirou o prato em cima da mesa. Zombeteiro, indagou: "O sr. quer leite ou refrêsco de groselha?" Escolheu o leite e começou a comer, sob os o olhares gerais. O maitre circulava de mesa em mesa, pedindo perdão a cada freguês pelo acontecimento insólito. O homem acabou de comer, tentava falar com o garçom para pedir o paliteiro, mas em vão. O garçom, como gazela, saltitava à sua frente. Desistiu, deixou o dinheiro trocado sôbre a mesa e foi-se embora.
Surprêsa. No dia seguinte, retornou ao mesmo restaurante, com ar eufórico. "Atrevido", rosnou o maitre. "É o fim!", sussurraram alguns fregueses. Afinal, aproxima-se um garçom, com ar de desprêzo, que logo se muda em estarrecimento ao ouvi-lo declinar a pedida: "Quero hoje, antes de tudo, como drinque, uma dose dupla de Buchanan's e "on the rocks"; depois, como entrada, escargots à bourguignone e lagostas flambés au cognac; acompanhando isso, veja-me um vinho branco do Reno, de preferência da série Niersteiner Falkenkrone; depois, quero vitelinhas sauté à la creme, e aí então traga uma garrafa de Château Laffite, safra de 1954; quanto à sobremesa, veja-me uma cestinha de marrons glacés. Num salto acrobático, o maitre já estava ao seu lado, sorrindo, e mudando a toalha de sua mesa. Tentou acender um cigarro e brotou do solo um homem uniformizado, enfiando-lhe o foguinho no nariz. E, enquanto uma carrocinha metálica trazia-lhe o couvert, uma loura aerodinâmica depositava três rosas na mesa. Comeu num lento ritual, assistido por toda a equipe. Ao fim, veio a conta de 400 contos e ele soltou um paco de 500, dispensando o troco. Achega-se então o dono do restaurante: "Cavalheiro, o sr. é um freguês que nos honra, qual o seu nome para dar ao cronista social?" "Sou Sílvio Silva". "O sr. é industrial, general, da associaçao comercial...?" "Não." "Já sei, é um refinado gourmet." "Nada, é a primeira vez que como essas coisas." "???" "Sou fiscal, fiscal da SUNAB." "Meu Deus!" "Sim, é isso mesmo; eu acabei de comer tudo aquilo graças à minha percentagem da multa que lavrei no seu restaurante, ontem, por estar jazendo economia de palitos."
Correio da Manhã
07/02/1969