Aquele dia, sem saber até porque, resolvera envergar na lapela do paletó a medalha de ouro maciço que ganhara havia cerca de vinte anos. Acesso de vaidade, o qual até a própria mulher estranhara.
Foi assim que bateu o portão de casa, com aquela fôrma de ouro dependurada em contraste com o fundo azul-marinho do terno. Sentia-se outro e pensava consigo mesmo: "Por que nunca pensei em usar essa medalha? Ficarei ainda mais respeitado."
Mas, na primeira esquina, já estava sob a massa de mira de dois vigaristas profissionais. Abriram alas quando passou, imponente, e, logo, um dêles comenta em alto e bom som: "Veja só que prosa, ostenta aquêle pedaço de metal como se fôsse ouro!" O outro limitou-se a imitar uma gargalhada. Parou, ficou rubro, virou-se para os dois: "Os senhores são uns moleques." "E o senhor um pavãozinho." "Vou chamar o guarda." "Por estarmos falando a verdade?" "Mentira, é ouro." "O senhor quer apostar?" "Como?" "Vale 500 contos, vamos ao •urives mais perto e êle dará o parecer final." "Topo." O ourives, devidamente mancomunado com os vigaristas, após a encenação com a balança e com o banho do metal, disse: "Lamento cavalheiro, mas não é ouro." "Meu Deus!" "Os cavalheiros têm razão." Desilusão, desespêro, desgôsto - sentou-se na cadeira arfante e assinou um cheque de 500 contos.
Os meliantes já tinham ido há muito, quando êle saiu cabisbaixo, após haver ingerido um calmante. Entrou no ônibus e seguiu para a repartição. Quando desceu, o reflexo do sol explodiu contra a medalha. Deu alguns passos e não resistiu à vergonha: arrancou a medalha violentamente da lapela e atirou-a no solo. Mal dera outro passo, quando um senhor idoso, de bengala, acerca-se dêle, com a medalha na mão, perguntando: "O senhor está doido?" "Não se meta!" "Jogando ouro fora?" "Não é ouro." "Essa não, qualquer um vê que é ouro do melhor quilate." Sentiu que, ao menos, chegara a hora de recuperar o dinheiro perdido: "Cavalheiro, quer apostar 500 contos como não é ouro?" "Aceito, para lhe dar uma lição." "Ah, ah, ah." Entraram num outro ourives e, êste, num breve exame, foi falando: "Ouro puro e do bom!" Pasmo, esvanto - pediu nova dose de calmante e assinou outro cheque de 500 contos, deu-o ao vencedor que partiu com a bengala e cabeça empinada.
Vai, pela rua, atordoado, com a medalha novamente na lapela. Súbito duas velhinhas que estavam a olhá-lo aproximam-se: "Meu senhor, quer nos dar uma informação?" "Pois não, pois não." "Desculpe a indiscrição, mas esta medalha é ou não é de ouro?" "Minhas senhoras, às vêzes é, outras vêzes não é." "Cínico!" - gritaram as velhinhas em côro.
Correio da Manhã
11/02/1969