Entrou na delegacia e disse ao comissário: "por favor, quero proteção." "Contra quem e quem é o senhor?" "Sou o dr. Fausto" ''Fausto de que?" "Sou o próprio. Mefistófeles anda me perseguindo, na pele de fiscal da Light, a fim de cobrar minha dívida". "O senhor está louco?" "Por favor, por favor." O comissário já olhava para o escrevente com olhar significativo. Depois bateu com o indicador na cabeça, chamou um guarda e sussurrou: "está maluco, prenda-o já que é sua vontade." O dr. Fausto agradeceu e seguiu o guarda.
Logo após, um sujeito de barbicha entra espavorido: "Onde está êle? onde está?" O comissário: "Quem? E quem é o senhor?" "Sou Mefistófeles" "???" "Ou o demo, o diabo, o demônio, satanás; como queira - o que eu quero é o meu devedor". O comissário começou a andar de um lado para o outro; murmura: "Que dia! que dia!" Convocou de nôvo o guarda: "prenda o cavalheiro na mesma cela do outro, são loucos, que se entendam.'' Dito e feito.
Meia hora depois, entrou um camarada baixinho: "sou o Conde de Cagliostro, desejo falar com o delegado." "Ainda não está" - disse o escrevente - "só o comissário de dia, serve?" "Serve sim." Volta o comissário se abanando com o Boletim Cambial: "qual é o seu caso?" ''Sou o Conde de Cagliostro, desejo proteção.'' "Por quê?'' "Estou implicado, no affaire do colar da rainha e, digo, injustamente. Mas venho entregar-me assim mesmo." "Que rainha?" "Ora, Maria Antonieta." "Louco!" – exclamou o comissário - "guarda, tranque esse sujeito com os outros". O conde fêz uma mesura e seguitt o guarda.
Mais tarde, chega outro: "Comissário, sou Galileo Galilei, estou correndo da Inquisição, proteja-me." O comissário já suava com extremo mau humor. Logo atrás de Galileo, entrava outro, dizendo: "Sou o professor Paracelsus, vim dar queixa do furto dos meus escritos alquímicos." "Todos pra mesma cela", berrava o comissário. O guarda empurrou os dois. O comissário ligou então para o hospício e pediu uma viatura rápida e homens que trouxessem camisas de fôrça se fôsse o caso. "Enfim, me parecem loucos mansos", arrematou. "Que dia! que dia!"
Estacionou, afinal, a viatura do hospício e alguns homens, troncudos, de uniforme branço, desceram depressa. "Estão naquela cela", apontou o comissário, "levem todos". Protestos, vozerio, berreiro. Saíram todos calados, em fila indiana, com ar solene, sob as vistas dos guardas e dos homens brancos. "Que alívio", murmurou o comissário. Entra um velhinho, baixinho, e catuca-lhe a cintura: ''onde estão meus discípulos?" "Aqueles ali?" "Sim, invente-i a máquina do tempo e trouxe-os todos até cá." "Falta um!", gritava em vão o comissário, com a voz abafada pelo arranque do motor.
Correio da Manhã
04/03/1969