Desceu do avião, com casaco de peles e chapelão de plumas. Quarenta anos, casada, elegante, fumando de piteira. Caiu na sala da alfândega. Correu um funcionário para abrir suas malas. Gemeu alto: "Sou espôsa do dr. Figueirão". "Que tenho eu com isso?" - retrucou, em rispidez compassada, o funcionário - "O tempo do pistolão já acabou". Logo acorreu um outro inspetor, a fim de ajudar no desmantelamento das malas. "Peles, peles, peles, vai pagar direitos sôbre tudo isso". "Meu Deus! Ai, não! Vou reclamar!" O inspetor sacolejou os fundos: "Que quantidade de perfumes franceses, perfumes em penca! Vai pagar também". Aduzia o outro: "E aqui nesta há duas máquinas de retrato e um mini-liquidificador". Àquela altura dos eventos as malas estavam desmanteladas, tudo que era bagagem dela no chão, escorrendo pelos bancos. Deu o desespêro: "Os senhores são uns miseráveis!" Mas continuavam imperturbáveis na faina aduaneira. "Ai, vou desmaiar!" Um dêles correu em sua direção, ela deu um pulo: "Não adianta agora bancar o bom môço, vindo socorrer-me depois do que me fêz". Rebateu êle: ".A senhora está enganada, não vim socorrê-la, vim examinar as suas roupas do corpo, revistar seus bolsos". "O quê?" "É isso mesmo!" Tentou afastar-se e foi segura por mais dois. O funcionário arrancou-lhe a bôlsa, abriu-a: "Vejam só, mais perfumes e quatro gravatas italianas". Ela: "São para meu marido e meus cunhados". "E daí? Vai pagar direitos". Um outro: "A senhora quer tirar o seu chápéu?" E outro: "Quer dar-me o seu casaco de peles?" Pulou, bramindo: "Não! Não!" Seguraram-na; chorando, entregou as peças. "Vai pagar, vai pagar" - repisavam em côro soturno. Fala o inspetor: ''Agora a senhora quer sentar-se e tirar os sapatos?" "Não!" ''E as meias?" Vergou-se no cansaço e deixou que êles tirassem. "Sapatos italianos, meias francesas, vai pagar, vai pagar, vai pagar". Estava quase prostrada. "Agora a senhora quer ficar um pouquinho de pé?" "Porquê?" "Seu vestido, suas pulseiras, seu relógio, queremos examinar". Num último esfôrço, pulou de nôvo: "Nunca!" Mas tombou nos braços dêles, que retiraram as jóias ("vai pagar, vai pagar"), e tiraram-na do vestido. "Nada disso pode passar", deram o parecer em côro. Ela estava encostada na parede, de colar e combinação . "Vamos a êle!" Desapertaram o colar ("vai pagar, vai pagar"), levantaram a combinação: ''É sêda, sêda estrangeira". Ficou de calcinha e soutien. Avançaram para o soutien: "A senhora quer tirá-lo?" Tentou dizer não, desistiu, tirou-o com o auxílio dêles. Restava a· calcinha: "A senho·a quer tirar?" Fêz o gesto de puxar, mas dobrou-se para a frente, com o coração fulminado, caindo nos braços do inspetor. Pânico, desatino, correria. Depositou o corpo nu sôbre uma balança e foi chamar o médico de plantão.
Para ver se o grava o texto.
Correio da Manhã
04/06/1969