jlg
Xerloque da Silva

  rj  
O dilúvio

Chegou à janela do quarto andar, olhou para cima e viu o céu agressivamente, cinzento. Pegou no telefone, após cinco minutos de esfôrço, conseguiu ouvir a chamada do outro lado do fio: "Alô?". "Sou eu, Marcos, dona Lilica, quer dizer a Marli que venha me apanhar depressa porque vai cair um toró?" “Pois não, sua noiva já está pronta e vai já à garagem pegar o carro." Cumprimentos mútuos.
Retornou à janela. Começara a chuviscar ao leve, mas o pano de fundo dos relâmpagos era assustador. Seis horas da tarde. Acendeu um cigano. Logo, então, estala o toró - gente correndo e a ventania castigava a vegetação e os poucos casebres do morro em frente. Marli toca o fone: "Não posso sair agora com essa chuva, vamos esperar um pouco para ver se melhora." Desligou, já impaciente. Foi até o térreo e ali encontrou o síndico, um oficial de marinha aposentado, assumindo o comando direto dos porteiros: "Fecha aquela porta! desliga o elevador social! vejam pás e enxadas." Aproximou-se e o síndico lhe disse: "Os bueiros estão entupidos, não sei o que vai ser." Em frente, o morro começava a derramar lama na calçada, enquanto a águá já vinha subindo ao nível do meio-fio. "O senhor já ligou parea a tal de Comissão de Defesa Civil?" "Sim, liguei e ouvi um palavrão."
Subiu nervoso pelo elevador de serviço. Entrou no apartamento e, mal acendeu as luzes, a light deu o sintal de vida, ficando ele nas trevas. Resmungou um nome feio e voltou até a janela. A tromba d'água não parava e as águas ameaçavam entrar pela portaria. O síndico, de calças arregaçadas, gritava em vão, com a voz afogada. Tentou falar com Marli, mas o telefone já negaceava com estalidos esquisitos. Tomou um banho, vestiu o pijama e, quando chegou na janela, deu um urro de susto: A água enlameada já ameaçava a janela do primeiro andar. Berros. Pouco depois, saia o vizinho boiando na cama de casal, com a mulher e dois filhos. Estava ilhado - o aguaceiro não parava. Folheou um jornal e logo topou com a declaração de um secretário do Govêrno: QUE VENHAM AS CHUVAS! ESTAMOS PRONTOS PARA ENFRENTÁ-LAS. Rasgou o jornal ao toque de novo palavrão. Chegou à janela: agora era o vizinho do 2º andar, que saía pele sua janela no melhor estilo de nado livre. Desespero - tentou subir três andares para o terraço, mas a cascata que vinha pelas escadas atirou-o contra a parede. Pânico, janela de novo - agora era a velhinha do 3º andar que bradava em vão por socorro. Carros boiando de cabeça pra baixo deixavam o cheiro de gasolina em suas narinas. Lá se foi a velhinha agarrada num divã. Arrastou a cama até a janela, e sentou-se nela. Ligou o rádio. Dizia o locutor: "O Governo pede calma à população porque todas as providências já..." Afogaram-se rádio e locutor, enquanto ele, cama ao léu, deslanchava rumo ao desconhecido.

Correio da Manhã
04/04/1969

 
Fiscal fisgado
Correio da Manhã 14/01/1969

A mesma ilha
Correio da Manhã 15/01/1969

Bonnie sem Clyde
Correio da Manhã 16/01/1969

Imersão geral
Correio da Manhã 17/01/1969

Sinuca sangrenta
Correio da Manhã 18/01/1969

O homem-fome
Correio da Manhã 19/01/1969

Crime numa nota só
Correio da Manhã 22/01/1969

A receita do seu Zezé
Correio da Manhã 23/01/1969

A luta conjugal
Correio da Manhã 24/01/1969

O mistério do professor vermelho
Correio da Manhã 25/01/1969

Teatro Leve
Correio da Manhã 26/01/1969

O transplante
Correio da Manhã 28/01/1969

Idem idem
Correio da Manhã 29/01/1969

Cadê Zizi
Correio da Manhã 01/02/1969

Barulhinhos
Correio da Manhã 02/02/1969

84 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|