SÃO PAULO - O usineiro pernambucano, de panamá branco e gravata berrante, saltou do táxi na famosa Rua Major Sertório e entrou, afoito, na buate. Sentou-se a uma mesa, pediu um escocês on the rocks e, logo na primeira tomada visual,- verificou que não eram exagêro as maravilhas de que lhe falaram a respeito do local. Moças jovens, lindas, elegantemente vestidas e requintadamente maquiladas, quase tôdas de mini-saia - algumas dançando, outras, batendo papo nas mesas. Não tardou em ver, pela frente, uma morena com cara de Ava Gardner, espraiando glamour por todos os póros. Levantou-se e cumprimentou-a; ela se acercou - cochichos -, sentou-se na mesa dêle - mais um on the rocks -, dançaram, dançaram - enlêvo.
Cerca de 40 minutos depois, estava na calçada com ela. Já havia pago a conta, mais os 100 contos pela posse da garôta, pois uma das finezas daquele bordel refinado era evitar; entre freguês e funcionária, aquela entrega tão anti-romântica do dinheiro. De dentro de um fusca ela buzinou para ele. Entrou e lá foi guiado para um apartamento algumas quadras adiante. O usineiro estava achando tudo formidável e, mais estupefato ficou quando, ao entrar no apartamento dela, deu logo de cara com uma sala finamente decorada. Tentou um palpite estético: "Formidável, é um barroco discreto, nunca pensei que se pudesse combinar as sancas no teto com quadros abstratos." Ela sorriu. Mais dois quartos maravilhosamente decorados. Santos barrocos pululavam entre objetos de prata. "Desculpe, mas o apartamento é seu?" "Sim". "Como é possível, rende tanto a sua profissão?" "Ganho cêrca de cinco milhões por mês." Estarrecido, não entendia. "Ora'' - disse ela - "a partir da política econômico-financeira do Roberto Campos, os milionários como o senhor não podiam mais sustentar 5, 6, 7 amantes - passaram a contentar-se com uma ou mesmo nenhuma, preferindo a nós - ao mesmo tempo, o desafio delirante do consumo faz com que nós não tenhamos outra alternativa senão adotar a mais eterna das profissões." "Vejo que a senhorita ("senhora ou senhorita"? - "senhorita", respondeu) também é intelectual." Conduziu-o à sua biblioteca - duas paredes tomadas por tábuas de jacarandá. Mas o que o deixou surprêso foi constatar que, no mínimo, 300 volumes eram dedicados à obra de Marcel Proust. Apontou-os com o dedo: "Como?" "Sou especialista em Proust." Espanto, encanto. E ela, entusiasmada, ficou a noite inteira dissertando sôbre Proust. Enfim, às 4 da manhã, arrematou: "Ninguém o entendeu melhor do que o Walter Benjamin." Permanecia extasiado: "Bem, não fizemos nada, mas foi um prazer ouvi-la." Ela fêz blague: "A prostituição, para mim, é a busca do tempo perdido." Ele então, iluminado, campôs o seu primeiro trocadilho: "Mas isso não é mais prostituição, é uma proustituição”
Correio da Manhã
09/04/1969