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As noites de Cabiria

“Le Notti di Cabiria" é o filme mais chaplinesco de Fellini. A tradição de uma recorrência a Chaplin marca flagrantemente a obra de alguns dos principais realizadores neo-realistas, De Sica, em especial, não apenas como ator, ao esboçar um critério de gesticulações muito afins ao espírito Carlitos, mas também no tipo de impacto que brota de um clima característico de tonus emocional imprimido a diversas situações forjadas em películas como "Milagre em Milão" ou "Umberto D".

Essa influência, correspondendo a uma determinada atitude em face da obra em gestação orientada por um ângulo de visão sensibilístico, não é desprezível desde que a responsabilidade do artesão esteja em constante entrosamento com o imperativo formal. "Umberto D" e "La Strada", cada qual obedecendo a diferentes processos formativos, são 2 obras-primas. A obsessiva reiteração de efeitos extremamente próximos ao sentido das matrizes do criador de "Luzes da Cidade" é que pode prejudicar a necessária contextura peculiar de cada realização - fator aliás que justamente impede "Noites de Cabiria" de ascender à mesma estatura de "La Strada", dentro da filmografla de Federico Fellini. Destarte, assim como no caso de Gelsomina - o personagem padrão - a estruturação do roteiro apóia-se no personagem interpretado por Giulleta Masina para o desencadear de uma série de efeitos de sabor anedótico. Se, no primeiro caso, o método de tabulação, em paralelo a um complexo de soluções próprias à linguagem visual, conferia a necessária autenticidade ao personagem (Gelsomina), extraordinariamente vivido pela atriz, agora o excessivo repisamento burlesco-sentimental de algumas reações de Cabiria em poucas ocasiões define uma precisa medida da adequação. O tipo humano da meretriz convence mais em tese, de acordo com a noção obtida a priori de um determinado parti-pris do diretor.
Fellini, no entanto, vai gradativamente obtendo um maior domínio sôbre os métodos e recursos de construir uma linguagem cinematográfica vivaz e funcional. Não estranha ser “Il Bidone" a sua fita mais fraca e exatamente a mais desigual também, porque a metade inicial equivale ao melhor que a fêz em matéria de cinema. Este exemplificar com a cena da festa e dos fogos de artíficio ou, em "Cabiria", com o trecho da procissão, onde uma sagaz concepção das tomadas e o uso do som fornecem todo o vigor ao entrechoque dos elementos cinematográficos.
A solicitação ao lírico, recorrência básica ao universo chaplinesco, não está apenas presente na consumação anedótica de algumas linhas da narrativa. O acompanhamento musical de Nino Rota, permanente colaborador de Fellini, utiliza constantemente aquêle tipo de faixa melódica de diapasão melancólico, bem à moda dos grandes sucessos do veterano mestre. Um determinado motivo que sempre entra nos momentos mais decisivos da trama, com maior afinco no desfecho, sublinhando o extravazamento emotivo de determinadas passagens.
Por outro lado, a figura principal, modulada por Masina, repete alguns trejeitos carlitianos, especialmente na mímica e na maneira de andar, quando os próprios sapatos, de salto baixo e bem alongados, ajudam a recordar a pessoa do vagabundo. As situações esquematizam-se num convite às exteriorizações nesse sentido: a cena da entrada no night-club, na hora em que ela se atrapalha com as cortinas; atravessar os aposentos e corredores da imensa casa do ator famoso (Amedeo Nazzari), sempre especulando as coisas de um mundo desconhecido para ela com um jeito e olhar ingênuo; a sequência final, quando voltando solitária pela estrada escura encontra o grupo alegre de jovens a brincar e cantarolar: retorna o motivo musical noutro compasso, uma das môças lhe diz boa-noite e surge o demorado close-up de Cabiria, sorrindo com lágrimas nos olhos. Uma exagerada dose de redundância imposta ao papel impede que Giulieta Masina venha a repetir a façanha de "La Strada". Contudo, nos instantes em que se vê livre dessa marcação abusiva, se volta a demonstrar a fôrça de seu talento, a autenticidade das reações que elabora. O trecho no qual é hipnotizada no palco do pequeno teatro de variedades e volta aos dezoito anos, é notável pelo fluir de singeleza.
Franca Marzi, como a outra prostituta, amiga da protagonista, tem um excelente desempenho, muito melhor que na fase anterior de sua carteira de mocinha ou vamp desnuda em dramalhões ou aventuras de capa e espada. François Périer, prejudicado pela má sincronização da dublagem, atua de modo convincente e com funcional sobriedade. Seu tipo coaduna-se perfeitamente com as exigência do role. Amedeo Nazzari, também muito eficaz numa ponta. Fellini é, sem dúvida, um bom condutor de atores, como já o provaram as suas fitas precedentes.
Na trajetória do diretor, desconhecendo o ''Sheik Branco" e pondo à parte os filmes levados a cabo juntamente com outros realizadores (Mulheres e Luzes, por exemplo), colocamos "Le Notti di Cabiria" logo abaixo de "Na Estrada da Vida" (La Strada), ao lado de "Os Boas Vidas" (I Vitelloni). Se êste oferece melhor consubstanciação num teor de construção dramática, a película de agora, apesar do desnível no complexo fundo-forma, apresenta um processo de organizar o ritmo visual com resultados mais sugestivos. A mencionada sequência da procissão, as passagens decorridas com Amedeo Nazzari, os quiproquós do trottoir, o jôgo de iluminação e o rigor e as sutilezas na utilização do enquadramento denotam franca evolução no manejo com a linguagem. Para o futuro, resta esperar uma sadia elisão do caráter rebarbativo de algumas perquirições místicas, que provocam a permanente auto-repetição e colocam Fellini na contingência de sacrificar o essencial (um problema de organicidade entre os elementos em relação), a procura de um ritmo eficiente, pela ilustração discursiva - o que deve estar implícito, dispensando as exarcebações literárias.

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