jlg
cinema

  rj  
Ingmar Bergman - VI (conclusão)

A fuga dos jovens, que se verifica no final de "Enquanto as Mulheres Esperam", não diferirá, em essência, da aventura de Monika. A suprema felicidade eclode e dura como um verão para, posteriormente, se dissipar. Daí, a razão da persistência do têrmo (sommar) no título de boa parte das realizações. Mesmo quando não seja a perversidade do mundo ou a própria falácia da tentativa, a fatalidade se encarregará de quebrar êsse período de ventura, como em “Juventude, Eterno Tesouro" (Sommarleck).
Nesse filme, aliás outra obra de grande envergadura, todas as constantes e variantes de sua temática se concentram num todo compacto, assumindo, destarte, invulgar importância entre as fitas de Bergman. Narra a história de uma bailarina que, na dúvida em imprimir novamente um significado à sua vida, através do amor, volta à casa de campo onde, há 14 anos, floresceu seu verão. O "flash-back" ocupa então quase todo o desenrolar do filme, com breves interrupções.
Ao escolher as cenas de ballet como contraponto dos dois tempos da história, tinha o diretor a imediata consciência das conotações simbológicas entre a dança e o verão. A dança, com a sua alegria, leve - absoluta - forçosamente efêmera, atua inclusive em paralelo com os aspectos mórbidos das introversões sentimentais de seus personagens. Essas passagens de ballet lembram também, sob alguns pontos de vista, as mesmas de "Limelight”, de Chaplin, embora, ao contrário desta última película, a intensidade da visualização em "Juventude'' possua um carater mais transfigurador, não incidindo apenas como qualificativo dos fluxos e refluxos emocionais do protagonista.
Todas as cenas dos jovens em seu pequeno paraíso correm num amplo diapasão, em que o sol, a natureza, a mocidade e a própria quietude das paragens são os principais elementos constitutivos. Bergman não perde ocasião para criar seus preciosos achados, como, por exemplo, o diálogo das mãos: os amantes deitados no divã, e a câmera focalizando apenas os braços levantados e as mãos em movimentos constantes, tocando-se, entrelaçando-se em belos e sugestivos efeitos.
Até a cena da morte de Henrik, permanece num clima alegórico, sob um ritmo algo moderado, calcado numa pertinaz contenção dos efeitos mais vibratórios. Porém, a partir do acidente, até o fim, o realizador entra com o máximo de sua capacidade criadora para uma elevada tensão da energia visual e nos brinda com sequências de extraordinária beleza, a começar justamente com a queda de protagonista, que ao tentar dar um mergulho, vai de encontro às pedras. A cena é impressionante. A câmera foca seu impacto na rocha, fazendo depois, Bergman, uma admirável fusão da cabeça pendida com a nuvem escura que paira no céu. A seguir, as sequências no hospital com a posterior saída de Mari, em que, noutro excelente recurso de fusão, os lençóis do quarto do paciente confundem-se com as paredes do corredor. E, no carro onde ela retorna, um peculiar jogo de claro-escuro ilumina seu rosto num compasso macabro.
Logo após, chegamos a um trecho decisivo no desfecho da película, onde os requintes formais de Bergman atingem ao paroxismo. Já estamos no tempo presente. Mari, findo o espetáculo, volta ao seu camarim e senta-se frente ao espelho. Surge então Copelius personagem estranho - ainda com as vestes com que aparece no palco. Entabulam diálogo: ele é incisivo - não adianta mais alimentar esperanças. A cena torna-se admirável: ela, o maquilagem em deconposição, a intensa iluminação interior, mediante as lâmpadas que circundam os espelhos; estes, ao mesmo tempo, ampliando o campo visual, desvendando novos espaços de composição num enquadramento apurado ao extremo. Transfigura-se o ambiente por completo e os personagens transcendem a estreita realidade sensível. Esta fantástica passagem dura até o momento em que chega o repórter que com ligeiras frases e breves acenos espanta o gênio mau, quem sabe, talvez o próprio Bergman. O amor reflorirá e, por isso, a última sequência focaliza novamente a dança.
"Juventude" é, de certo modo, a menos caótica das fitas de Bergman que abordam o mesmo tema. É verdade que não se pode assegurar uma totalidade absoluta a êsse visIumbre de esperança. Será o advento de outro verão ou a integral acomodação a uma vida burguesa?
O filme repousa quase que inteiramente na interpretação de Maj Britt Nilson. Não é a mais bem dotada das artistas suecas que atuam sob a batuta de Bergman. Em "Enquanto as Mulheres Esperam", suportou mal o confronto com Anita Bjork e Eva Dahlbeck. Mas para esta realização, além de seu tipo físico ser adequado ao papel, correspondeu com êxito às nuanças de interpretação.
O próprio diretor escreveu o argumento e a cenarização, esta juntamente com Herbert Grevenius. Para a fotografia e a música, contou com dois habituais colaboradores, Gunnar Fisher e Erik Nordgren.
''Sommarlek" foi produzida em 1950 e até hoje está mofando nas prateleiras de uma distribuidora, sem ter sido ainda exibida aqui no Rio.
É anterior a· "Monika e o Desejo", "Enquanto as Mulheres Esperam" e "Noites de Circo". Após esta última, Bergman enveredou para o gênero da comédia satírica que, segundo ele, é o que mais se ajusta ao seu temperamento. Realizou então "Uma Lição de Amor" e "O Sonho das Mulheres", das quais não possuímos referências de ordem crítica, e “Sorrisos de Uma Noite de Verão”, muito bem recebida por toda a crítica européia. Parecia, portanto, estar com razão e esperamos que nos seja dado assistir esta sua incursão num terreno em que existem na verdade muitas afinidades com certos aspectos de seu temperamento.

Jornal do Brasil
31/03/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

562 registros
 
|< <<   1  2  3   >> >|