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Rua da esperança

"A Kid of Two Farthings" levanta de certa maneira a dúvida de que Sir Carol Reed seja no momento o cineasta com a mesma lucidez de outrora. Não que a realização se envolva num fracasso completo ou de que não tenha nenhuma sequencia digna de realce. Pelo contrário, malgrado determiados aspectos indiscutivelmente negativos, trata-se de um bom filme. Entretanto, os valores positivos que encontramos só podem ter a sua concretização atribuída ao criador de "Odd Man Out", de um modo muito indireto, isto é, como ó produtor procurou, nessas funções, cercar o filme de todos os cuidados tecnicamente necessários, para que o empreendimento se vazasse em moldes essencialmente estéticos.
O ponto alto de "A Rua da Esperança”, é, sem dúvida, a fotografia de Edward Scaife, muito boa, tanto no que se refere ao uso da côr, como às diversas e eficientes concepções do enquadramento. As tomadas iniciais da feira são admiráveis e as sequências do menino a perseguir a pomba no meio da multidão, muito bem construídas.
O acompanhamento musical de Benjamim Frankel, por outro lado, sublinha com bastante eficácia o desenrolar da película.
Todavia, logo após a primeira meia-hora, a realização cai num ritmo monótono, pesado, malgrado uma constante tentatiiva de aprimoramento visual. E acrecente-se que todo êsse esmêro artezanal, no caos a nada conduz, principalmente se levarmos em conta que a fita, criando, através da história do menino e do unicórnio, uma parábola do conto de fadas, carecia de um tratamento cinematográfico mais leve, fluído; um argumento que, sob muitos pontos de vista, um Duvivier manejaria com sucesso. Não somente o "script" impreciso, mas, um critério de estilização inadequado ao espírito da realização conferiu às sequências uma desarmonia patente aos efeitos plásticos, com relação a uma ambiência psicologicamente inaceitável pelo modo como foi concebida a sua utilização.
No trabalho de edição, permaneceram os responsáveis coniventes com alguns dos erros fundamentais, conferindo exatamente um ritmo de acôrdo com a parte mais falsa ou inoperante do filme. Este vai se arrastando para, apenas, se soerguer na cena da luta-livre, onde o "metteur en scène" torna-se reconhecível, forjando diversas situações de inegável sabor: uma espécie de sátira ao espetáculo que, visto de fora não passaria de uma "féerie" grotesca. Para tanto contribui a figura de Primo Carnera, quase uma reincarnação do brutamontes molieriano no século XX.
Essa monotonia que se constata é justamente o defeito mais frisante da primeira fita desigual de Carol Reed, entre as que foram aqui exibidas: "O Pária das Ilhas" (An Outcast of the Islands). Na verdade, após o antológico "O Condenado" (Odd Man Out) e dois "thrillers" de elevado nível, "O Ídolo Caído" (The Fallen Idol) e “O Terceiro Homem” (The Third Man), nunca mais o "regisseur" apresentou um filme digno de maiores encômios. Suas três realizações que assistimos posteriormente possuem sinais visíveis de uma certa impotência em levar avante ou traduzir com êxito alguns objetivos a que se propõe, o que confere o direito de lhe prefixar uma posição incômoda com relação a David Lean ou alguns cineastas oriundos da Ealing (um
Robert Hamer, um Alexander Mackendrick, um Charles Crichton) no atual panorama do cinema britânico.
Porém é forçoso que se chame a atenção que se realmente Carol Reed atravessa um período de decadência, esta, felizmente, não é por hora fruto de injunções comerciais. Mesmo a menos aceitável de suas realizações, "O Outro Homem" (The Man Between), apesar de, sob vários aspectos, se filiar ao já extenso ciclo de filmes anticomunistas – o tema mais ingrato atualmente para o cinema - revelava uma predisposição por soluções de caráter nitidamente artístico. E, isso nos permite que, dêle, sempre esperemos uma nova película com justa ansiedade.
Em· "A Rua da Esperança" deve-se ressaltar também como qualidade a boa atuação dos intérpretes, donde sobressaem, embora sem grande oportunidade, Célia Johnson e Brenda de Banzie. A única nota destoante nesse terreno é a aparição de Dianna Doors, extremamente inexpressiva e também sem grandes predicados físicos.

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