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Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti

UM IANQUE NA ESCÓCIA

A Ealing, tendo à frente o vulto dinâmico de Sir Michael Balcon, é atualmente o trunfo mais positivo do moderno cinema inglês e, por outro lado, criou também uma das melhores fases características da comédia na sétima-arte.
Contando com uma equipe de realizadores de primeira linha, como Robert Hamer, Alexander Mackendrick e Charles Crichton, e com estreita coiaboração de um ator do porte de um Alec Guiness, teve em mãos os mais eficientes recursos para levar a efeito algumas produções de elevada categoria no gênero. Para tanto, basta lembrar "Ali Oito Vítimas" (Kind Hearts and Ooronets), de Rober Hamer, "O Mistério da Torre" (The Lavander Hill Mob), de Charles Crichton, "O Homem do Terno Branco" (The Man in the White Suit) e "O, Quinteto da Morte" (The Lady Killers) , ambos de Alexander Mackendrick. Em tôdas as mencionadas peliculas, os costumes e determinadas instituições britânicas figuram como alvo para uma sátira viva e eficaz, sendo que, outrossim, não apenas Alec Guiness, mas outros intérpretes como Dennis Price, em "As Oito Vitimas", ou Katie Johnson, a admirável velhinha de "O Quinteto da Morte", marcaram tipos inesquecíveis.
"Um Ianque na Escócia", embora se trate de um filme de nível inferior aos acima referidos, não destoa da já famosamente denominada "Ealing tradition". Sua história é a das vicissitudes encontradas por um magnata ianque (Paul Douglas) para transportar até determinada localidade, situada na Escócia, uma carga particular. Os empecilhos que dão origem ao aspecto cômico da película são motivados pelo engano do agente do capitalista, encarregado de contratar o barco de transporte, que, sem querer, fecha o negócio com o capitão da Maggie, velha barcaça, ameaçada inclusive de ser interditada pelas autoridades costeiras, em virtude do estado de completo desgaste que apresenta. Quando o protagonista se dá conta do que passou e tenta, em vão impedir que o mal-entendido tenha prosseguimento, vemos o início de uma série de quiproquós, alguns saborosos, outros um pouco repisados, os quais vêm justamente funcionar como efeito calculado para o que se tinha equacionado a partir do princípio, com a devassa dos diversos tipos humanos. Dêstes, sem dúvida, o que mais avulta é o do velho capitão, uma soberba criação de Alex Mackenzie. Grunhindo mais do que falando, a barba rude, esbranquiçando o rosto bizarro, se constitui na admirável figura de uma irreverente autodeterminação. Com ele terá que se haver o milionário e terminará por perder a parada, sacrificando, inclusive, no final, a sua valiosa carga, a fim de que se salvasse a carcomida embarcação de seu adversário.
“Um Ianque na Escócia" não é evidentemente uma realização que assuma plano destacado na carreira de Alexander Mackendrick, no momento, talvez, o mais empenhado cineasta dos estúdios de Sir Michael Balcon. Faltava, para tanto, maior ambição quanto ao que se refere ao próprio projeto de sua produção, bem como o argumento não conferia maiores oportunidades para que William Rose esboçasse um script além de correto. Mackendrick possui já em sua filmografia duas comédias de alta categoria, assinaladas acima, o que lhe garante uma posição de
relêvo como especialista no gênero, muitas vêzes dos mais ingratos para que se crie uma precisa, eficiente linguagem cinematográfica.
Em "O Martíro do Silêncio" (Mandy) saiu-se bem de um tema também de difícil tratamento. Agora, dentro da visível modéstia dos recursos de ordem material que dispunha, não decepciona, tendo mesmo construído uma sequência digna de nota: aquela em que Paul Douglas, de pé no pequeno cais de madeira, em decomposição, não percebe o que sucede, confundindo o ruído das tábuas que se partem
ou se deslocam com o mugir dos bois que aguardam o momenrto de serem transportados.
Outro fator que ajudou a essa fita na manutenção de tôda a dignidlllde da "Ealing tradition", foi inobjetavelmente, a boa qualidade da fotografia de Gordon Dines, o camera-man que anteriormente já nos demonstrara a sua capaciaade indiscutível, em "Pool of London", de Basil Dearden. Sempre que possível, utilizou-se com o máximo sucesso do claro-escuro, assim como realçou com invejável vivacidade
o caráter pitoresco de várias sequências.

RASPUTIN

Realização francêsa de Georges Combrey, com Pierre Brasseur, Rennée Faure, lsa Miranda, Milly Vitale

Comparada com a versão de Marcel L'Herbier, produzida: há mais de vinte anos, a presente fita perde longe, criando, ao mesmo tempo, uma sensação de lástima por tanto dinheiro pôsto fora, intérpretes e recursos técnicos totalmente desaproveitados. Georges Combrey, pelo menos para nós, ilustre desconhecido, revela, senão incapacidade, uma completa negligência com relação ao objeto de seu trabalho. A película transcorre linear, com raríssimas sequências dosadas de uma maior vivacidade. O uso da côr, com o predomínio de um esmaecido azul corante anilado é de uma absoluta inexpressividade no que à criação de uma ambiência através do décor, já
por outro lado, inteiramente banal.
Pierre Brasseur, como o protagonista, dá vasão à sua costumeira exuberância, embora em alguns momentos nos pareça, ao contrário, extremamente apático. Os outros intérpretes comparecem sem maior destaque.
"Rasputin não apresenta em nenhum instante o mínimo resquício de apuro em sua linguagem cinematográfica. Não existe o menor efeito de montagem um "travelling" sequer que procure acentuar qualquer recurso simbólico.
No que se refere às cenas consideradas impróprias também não vemos a menor novidade. Pálidas orgias com algumas mulheres despidas, constante de todo filme francês no gênero - o que já não chocará mais ninguém dado justamente à habitualidade) da ocorrência. Ainda mais: principalmente quando, de fato, certas realizações devido ao tema ou ao ambiente no qual se desenvolve a história comportam perfeitamente tais passagens, malgrado nem sempre haja uma estrita e imperiosa funcionalidade. Dessa forma é boa e sadia a medida anunciada pelo Serviço de Censura em não cortar cenas dêsse teor. Tal medida não se reflete ainda em "Rasputin", já que os anteriores responsáveis com o Serviço de Censura também deixavam por diversas vêzes passar o conteúdo de determinadas sequencias dessa fita. O nu jamais foi imoral. Muito mais condenável é a vista grossa para com o constante culto à pornografia que se verifica geralmente nas produções carnavalescas nacionais. Aqui sim - onde a falta de pudor ético ou artístico muitas vêzes aflora é que se deve tomar providências saneadoras principalmente agora que se procura conferir maiores vantagens.

TRAPÉZIO

A dupla Harold Hetch-Burt Lancaster, forma uma das produtoras mais independentes e mais sérias de Hollywood. Sem que denote uma imediata intenção de se avantajar nos problemas diretamente ligados à estética do cinema, realizam uma eficiente e tolerável conciliação entre os seus aspectos artísticos e comerciais. Para tanto, pode-se recordar que Aldrich teve algumas de suas primeiras e boas oportunidades ao realizar, sob os seus auspícios, “Apache" e "Vera Cruz", se bem que o "metteur en scène" não guarde, pessoalmente, uma lembrança das mais felizes de seu trabalho em cooperação com Burt Lancaster (protagonista dos dois filmes, acima refericlos).
"Trapézio" é, se não nos falha a memória, a produção mais dispendiosa que por êles foi empreendida. Um "all-star cast" - Burt Lancaster, Gina Lollobrigida, Tony Curtis; Carol Reed, na direção e fotografia de Robert Krasker ("O Terceiro Homem", do próprio Reed, "Romeu e Julieta", de Renato Castellani).
Apesar de contar, pois, com fatôres qualificados para que se levasse a efeito uma alta realização, o que mais se destaca em "Trapeze" é o caráter do grandioso espetáculo. O argumento, vazado numa das clássicas variações do triângulo amoroso, não oferecia amplas perspectivas para um resultado de maiores pretensões. Os responsáveis foram, destarte, explorar diretamente o aspecto feérico de um detonar de emoções, condicionado à ambiência do circo, principalmente através das sensações do trapézio. A película possui na realidade extensas passagens com alguns dos personagens principais, lá no teto, palestrando, decidindo as situações técnico-sentimentais que a narrativa envolve – tanto em descanso como em franco exercício ou exibição. Tais sequências são justamente as melhores do filme já que, nesse ponto, avulta a fotografia do extraordinário "camera-man" que é Robert Krasker. Utilizando-se de uma angulação original, por vêzes insólita, em muitas ocasiões por debaixo da rêde, realiza tomadas extraordinárias, criando, mediante um preciso ritmo plástico, admirável cadência visual para as evoluções que se verificam lá no alto. No que tange ao uso da côr, não se houve com a mesma eficácia que em "Romeu e Julieta". Porém, de qualquer forma, esta é a única parte esteticamente positiva que a fita apresenta. No resto, segue o espetáculos as mais características injunções comerciais, onde, aliás, acertaram em cheio os produtores, a se deduzir pelo sucesso a consequente receita bem polpuda proporcionada pelos cinemas que o lançaram e o mantêm em terceira semana de exibição.
Burt Lancaster vence facilmente a comparação com os seus co-protagonistas. Muito mais classe e um flagrante desembaraço para o "role" ao qual se entregou. Tony Curtis, sempre inexpressivo, cada vez mais efeminado, não convence como de hábito. A famosa Lolô, belissima ainda em tecnicolor, tem que se haver com um papel falso, psicologicamente descontínuo. A sua paixão por Burt Lancaster subitamente revelada - embora seguramente esperada pelos espectadores mais experimentados nessa categoria de melodrama - e também a sua reabilitação moral - necessária para solidificar um “happy ending" previsto - não convence exatamente no sentido psicológico, dentro do rítmo em que se desenrola a película. E a cena no hotel, quando Tony Curtis descobre a verdade sôbre os reais sentimentos da jovem, se consuma através de critério desprovido absolutamente de autenticidade.
Quanto a Carol Reed, não se nota um empenho em construir algo de pessoal, tão caro a seu estilo. Aderiu por completo ao sentido do "show" deslumbrante, funcionando a sua classe e rigor artesanal apenas como um elemento de contrôle para o que destoasse em demasia e pudesse vir a comprometer o filme. Como já tínhamos assinalado em crônica anterior, quando da exibição de "A Rua da Esperança", o "regisseur" britânico atravessa uma fase ingrata, não sabemos se de decadência ou se trata somente de um hiato. De qualquer forma, "Trapézio" não vale como uma nova oportunidade perdida, devido aos citados objetivos de menor alcance artístico que pautaram a sua realização

ALESSANDRO BLASETTI

Um dos nomes mais importantes na história do cinema na Itália – Blasetti - um dos poucos realizadores autênticos da longa e estéril fase pre-neo-realista (e mais, talvez, Soldati e Camerini). Blasetti, por outro lado, também um dos precursores dêsse movimento - "O Coração Manda" (Quattro Passi Fra le Nuvole) - que, malgrado os gritantes e absurdos excessos, provocou o verdadeiro nascimento da cinematografia italiana, colocando-a entre as mais importantes da atualidade. Blasetti - uma espécie de Julien Duvivier, um pouco mais épico que dramático, abordando diversos temas, utilizando-se, ao mesmo tempo, de múltiplos métodos e processos de estilização. Com êle alguns diretores se formaram: Castellani, por exemplo, hoje consagrado pela crítica do mundo inteiro - "Duelo", "Sob o Sol de Roma", "É Primavera", "Due Soldi di Speranza", "Romeu e Julieta"; Pietro Germi, também autor de alguns clássicos do neo-realismo e outras fitas de mérito – “Em Noma da Lei”, “A Cidade se Defende”, “O Caminho da Esperança”, "A Presidenta", "Gelosia"; ou mesmo, Gofredo Alessandrini, que conta em sua filmografia com "No Frenesi do Desejo", "Atrás da Cortina de Ferro" e "O Espadachim de Veneza". Todos foram seus assistentes de direção.
Ultimamente vem se dedicando à comédia com maior intensidade em detrimento do gênero dramático ou histórico e épico-lendário, aparentemente de sua nítida preferência - "Un'avventura di Salvator Rosa", "Ettore Fieramosca", "A Farsa Trágica” (La Cena delle Beffe), esta, uma fita maior, extraída do poema dramático de Sem Benelli, onde um clima de alucinante violência, crueldade e folia é magnificamente retratado, contando outrossim com as excelentes interpretações de Amedeo Nazzari, Clara Calamai, Osvaldo Valenti, Memo Benassi Valenti, um grande ator, foi fuzilado sob a acusação de nazista, tendo sido o protagonista da versão cinematográfica de “Henrique IV", de Pirandello, em que apresentou inesquecível desempenho. Blasetti supervisionou essa película, que
teve a direção de Giorgio Pastina.
"A Coroa de Ferro" constitui outro excelente épico-lendário, com belos momentos pictóricos, um décor audacioso, fantasia expressivamente desenvolvida no écran, a montagem eficaz - foi premiado no IX Festival de Veneza (Internacional) com a copa Mussolini, destinada ao melhor filme italiano lá exibido.
Fabiola - o grande espetáculo a la Hollywood, "cast" de grandes nomes do cinema europeu: Michelle Morgan, Henri Vidal, Michel Simon, Elisa Cegani, Louis Salou, Gino Cervi, Massimo Girotti, CarIo Ninchi, Paolo Stoppa. Adaptação do romance do Cardeal Wiseman, um pouca desmembrada, falta de unidade aparente (aparente porque o complexo Censura e/ ou Exibidor se encarregou de cortar, ou melhor, mutilar a fita), porém levada a efeito com grande dignidade.
"O Coração Manda" – pequena obra-prima, como já assinalamos acima, precursora do neo-realismo. História simples, mas humana, real, comovente, mercê talvez o dedo de Zavattini, que tomou parte na criação do argumento. Gino Cervi leva a cabo a melhor interpretação de sua carreira.
"Um Dia na Vida" - a mais duvivieriana das realizações de Blasetti. Um convento: a vida pacata das freiras sofre violenta interrupção pela chegada de um grupo de "partisanos" que lá se abriga, a fim de fugir dos alemães. Alguns momentos de alta voltagem dramática, compensados por aspectos mais cômicos-brejeiros ou então bizarros. Premiado em 1946, pela sua "mise-en-scène".
"La Fiammata", um estrondoso fracasso, tendo à testa a dupla Rossi-Drago/Amedeo Nazzari - monotonia absoluta.
"Prima Comunione" justifica em parte a incursão na comédia. Bom argumento, situações originais, Iinguagem cinematográfica escorreita, Fabbrizzi etc. Aliás, um dos episódios de "Altri Tempi", que se trata de uma fita contendo várias narrativas de autores italianos do século passado, permitia que se vislumbrasse algum pendor de Blasetti para o gênero, quando sustentou, com invejável fôlego e vivacidade, a longa sequência do tribunal com Lollobrigida e De Sica. "Altri Tempi" foi produzida após "Prima Comunione”, porém foi aqui exibida anteriormente.
"Bela e Canalha", apesar de conter algumas cenas realmente engraçadas ou originais, é uma das menos interessantes e características películas que dirigiu. Sua categoria de realizador de primeira linha se denota aqui ou ali, mas, por outro lado, vemo-lo impotente para conter um ritmo demasiado nervoso das sequências, a exuberância de Marcello Mastroiani. Dentro do esquema rítmico apontado, forçoso era uma maior intensificação do tratamento por elipse, o que não ocorre. De Sica, num papel um pouco repisado, embora o achado da mala se revista de certa originalidade. Sophia Loren, por demais curvilinia e apresentando em excesso as sinuosidades em ss, continua algo inexpressiva como atriz. Existe um certo apuro da imagem a través da fotografia de Aldo Giordano; entretanto o falatório excessivo que impera em grande parte das cenas prejudica a continuidade visual. Alessandro Cigognini, o melhor músico do cinema italiano, não tem maiores oportunidades.

Jornal do Brasil
16/06/1957

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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