A função do ''flash-back" assume um caráter mais complexo em "Kvinnors Vantan" (Enquanto as Mulheres Esperam). O argumento, em linhas gerais, se constitui na história de três mulheres que numa casa de campo, enquanto aguardam a chegada dos respectivos maridos, começam a narrar, cada uma por sua vez, os acontecimentos mais incisivos que lhes marcaram a grande aventura que, para Bergman, é a do amor, com suas variedades, ético e mórbido-sexuais.
Destarte, o filme se apresenta fragmentado em três partes distintas, cuja fusão temática das respectivas narrações haverá de se plasmar no momento em que aflore uma idéia do irrisório. Em virtude disso, o ritmo da película, por outro lado, não obedecerá a um sentido de crescendo em tensão - pelo contrário: a fita em vez de vir em direção do espectador, descerra-se à sua frente, tal qual se fôra um painel, cujo findar-se é a própria consequência de uma forçosa volta ao princípio, mediante a aventura que será
encetada pelos dois jovens que fogem pelo mar.
As mulheres são as três grandes vencidas, e que agora a experiência ensinou a aceitar a cômoda isenção do alheiamento burguês. Falam dos acontecimentos passados com uma certa frieza e o sublinhamento nostálgico constitui mais uma falácia em esconder a fraqueza do que um anelo pelo que passou. Bergman circula com a câmera pelas suas cabeças, trazendo à tona as mais variadas concepções de composição com esses elementos e assim confere a impressão de um moto-perpétuo, provocado pela atenção de tôdas no clima evocativo da conversa.
Nesse caso, romper com uma estrutura linear da narrativa, já seria uma consequência lógica para esquematisação do cenário. Porém, o realizador foi mais longe e incluiu, no segundo episódio, outro "flashback", abrindo mais uma válvula de escape a fim de inserir as sequências melhores de "Enquanto as Mulheres Esperam". Tais sequências funcionam como contraponto à solidão de uma mulher grávida (Maj Britt Nilson) que rememora a féerie de encanto que precedeu a sua noite de amor. Primeiro, o cabaré, onde Bergman, retomando o mais íntimo contato com o expressionismo alemão, constrói uma passagem admirável, mediante o ambiente esfumaçado, a cara dos espectadores e as coristas no palco, tudo conferindo um caráter extremamente bizarro ao ambiente, graças também ao hábil jôgo de cortes.
A cena da sedução, que vem a seguir, é das mais características como demonstração da fecunda imaginação do cineasta sueco: a jovem no quarto escuro, ligeiros ruídos, um sôpro é a mão que brilha, como se flutuasse no espaço. Finalmente a voz do corredor, entoando uma canção bela, estranha.
Outro excelente momento de cinema, que ocorre durante êsse segundo episódio, é o detalhe do telefone, apresentado de tal forma que desperta na platéia a mesma ânsia da moça em ouvir o seu tilintar.
O primeiro episódio do filme é, entretanto, o melhor, pela sua impecável unidade plástico-ritmica e também pela extraordinária interpretação de Anita Bjork, cujo papel de casada insatisfeita ela vive ainda melhor que seu famoso desempenho em "Senhorita Júlia", de Alf Sjoberg. Do início ao fim, o tratamento visual é vazado dentro de um rigoroso manusear do enquadramento, conjugado, ao mesmo tempo, com o incessante perscrutar dos travellings curtos (interiores), em busca do mais satisfatório ponto estático de composição.
O terceiro episódio, amoralmente saboroso, passa-se quase que inteiramente dentro de um elevador que enguiça, quando levava um casal de meia idade. Lembrando um pouco os realizadores britânicos, tanto pelo assunto, como pelo "toque" imprimido, Bergman consegue num "tour de force" manter viva essa parte da fita, por todo o tempo.
Jornal do Brasil
24/03/1957