Ao contrário dos realizadores neo-realistas, Bergman jamais procura imprimir um sentido imediatamente social em sua obra. Esta liberdade de compromisso é que justamente faculta um maior empreendimento às perquirições formais necessárias para que se mantenha um constante revigoramento dos meios de expressão na sétima arte. Moço ainda, já possui uma filmografia extensa, sendo que dois de seus filmes, entre os que aqui foram exibidos, constituem obras maiores, antológicas mesmo: "Noites de Circo" (Gyrcklanas Afton) e "Juventude, Eterno Tesouro" (Sommarlek); e outro, malgrado se trate de uma realização algo desigual, não deixa de ser um filme importante: "Enquanto as Mulheres Esperam" (Kvinnors Vantan). "Monika e o Desejo" (Sommaren Med Monika), embora paire num plano inferior e tenha menos densidade, apresenta também excelentes momentos de cinema, como o inesquecível "close up" de Harriet Anderson, em que ela fita longamente o espectador enquanto se ouve ao mesmo tempo um dixieland.
Bergman não é entretanto somente "metteur en scène"; em boa parte de suas fitas é o próprio autor do cenário. Suas atividades nessa função também desenvolveram-se fora de suas produções e tiveram um papel marcante. Basta lembrar "A Tortura de Um Desejo" (Hets), de Alf Sjoberg, pelicula que serviu exatamente para chamar a atencão aos olhos do mundo, no após-guerra, do novel cinema sueco. Em "Eva" de Gustav Molander, percebe-se de um modo claro a sua incisiva influência na confecção de certas passagens, como a do sonho do protagonista, compassado pelo tambor do colega de quarto, que está provocando-o a seduzir sua espôsa - uma sequência insólita, inusitada e criando, às vêzes, a impressão de um macabro divertissement.
A constante em sua obra - a tentativa de fuga do ambiente que sufoca e a busca de um outro rumo - tem sempre o amor como veículo impulsionador, a concretizar essa ânsia e, transfigurando o pathos, Bergman transporta o pequeno drama do homem comum às últimas consequências do grande trágico. Um modo reflexo de valorizar o humano, partindo do particular, e assim conferir ao impasse e à conjuntura dramática do individuo, a intensidade que só este mesmo poderia avaliar. Essa uniformidade de pretensões pressupõe, destarte, um caráter funcional ao seu esteticismo e os personagens, incorporados a uma nova dimensão do patético, assumem uma figuração que transcende os limites que permitiriam os efeitos estritamente vinculados a um esquema puramente realista e, consequentemente, direto de focalizar o tema. Saindo do campo oposto, foi justamente com um objetivo análogo que Renato Castellani, em "Romeu e Julieta", carregou o toque neorealista na atuação dos intérpretes, a fim de humanizar o grande trágico em Shakespeare.
Tal estilização, por si alcançada, e que é uma das razões que faculta a sua ascensão entre os maiores realizadores da sétima arte, não o cingiu entretanto a um modus faciendi uniforme, cujo excessivo repisamento acabaria redundando na esterilidade. Não se prendeu à categoria de mestre, isto é, dominando os instrumentos e portanto atendo-se principalmente a uma correção artesanal, como o Wyler dos últimos anos. Ao contrário, procura sempre utilizar-se de um modo inventivo dos processos e elementos formais. Domina amplamente seu estilo, porém, dentro disso, renova-se de filme para filme, criando diversas soluções inesperadas com relacão ao que já tinha sido aplicado. E nesse ponto, pela maneira com que concebe o detalhe, pelo arrôjo inventivo que imprime a certas sequências, poucos realizadores, hoje em dia, podem sofrer um paralelo com Bergman em sua dinâmica de criador - um Aldrich, um David Lean, um Viscomti, um Elia Kazan ou um Charles Laughton (pela amostra de "The Night of the Hunter”).
Jornal do Brasil
24/02/1957