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Barbara Graham

O caso de Barbara Graham, cuja condenação à pena capital foi motivo de intensos debates em que se agitou a opinião pública, é reavivado numa produção de "Figaro", que encomendou um roteiro, baseado nas cartas da prisioneira e nos artigos do jornalista Ed Montgomery, a Nelson Gidding e Don Mankiewicz.
"Quero Viver" (I Want to Live) é o nome da fita para a realização da qual foi, com bastante cuidado e meticulosidade, escolhida uma equipe bem eficaz. E a direção entregue a Robert Wise.
Wise possui o legado de uma influência das mais benéficas.
Tendo desenvolvido a sua formação na série de películas de horror produzidas por Val Lewton e tendo trabalhado com Orson Welles em "Cidadão Kane", Robert Wise possui o legado de uma influência das mais benéficas. A matriz da concepção cinematográfica de Welles está muitas vêzes presente em seus filmes e, há pouco mais de dez anos, levou a cabo uma das mais legítimas obras-primas da sétima-arte, "Punhos de Campeão" (The set-up): tempo da narrativa equivalente ao tempo real de metragem, num ritmo de grande impacto, onde a chave principal do acionamento de uma impressionante dinamica de efeitos estava na perfeita noção de utilizar a montagem. Ao mesmo tempo, a crua exposiçao, mediante incisivas pinceladas, de um pequeno mundo de violência e corrupção: a indústria e padronização ao entretenimento público, a base de uma exploração do sadismo e da morbidez, tendo como leit-motiv as lutas de boxe.

Não seria fácil e, evidentemente, nem tão pouco previsível que Wise prosseguisse, fita a fita, no raro nível de “The Set-up''. Porem, êle, desde então, por injunções de ordem comercial, certamente, e aliadas, talvez, a uma dose de displicência, jamais voltara a ficar perto do mesmo cineasta daquela inobjetável obra antologica. Alguns filmes bons ou de interesse, como “Tres segredos" (Three Secrets), “Um Homem e Dez Destinos" (Executive Sune) ou “Marcado pela Sarjeta" (Somebody up There Likes Me) não bastavam para preencher uma filmograna que poderia ser bem mais relevante.
Agora surge uma realização que reduz tudo o que foi feito a partir de “Punhos de Campeão" à condição praticamente de hiato. Uma obra-prima liga-se a outra numa inependente trajetória a e curva sobre um punhado de películas menores. É também "l Want to Live'', no que tange a sua primeira metade, a fita mais wellesiana, não em simples termos de imitação - do barroco pelo barroco - mas em termos de função.

A Pena de morte: chaga social

Não é preciso repetir aqui todos os surrados argumentos daqueles que pretendem justificar a instituição da pena de morte. Não bastasse o longínquo fim da era de Talião, todo um desenvolvimento para uma bem maior complexidade de relações no âmbito social prescreve diversas condições de vida. O equilíbrio de uma dada estruturação socio-econômica condiciona a media de equilibrio no comportamento individual e o índice de alienação. A pena não pode nunca mais ser entendida como um castigo e/ou um mero critério de satisfação ao dano particular pelo delito praticado. A pena é uma cura. A cura de alguma detecção de caráter biológico ou de alguma moléstia, ou então, se a sociedade faz o criminoso, ela propria deverá prover a sua readaptação ao meio.
O cinema tem explorado o tema, quase sempre, naturalmente, no sentido de combater a pena de morte. Cayatte, em seu ciclo de filmes de tese, tem o conhecido "Somos Todos os Assassinos", com algumas cenas incisivas, encerrando boas soluções dramáticas. Contudo, a diferença existente entre o André Cayatte, que em muitas ocasiões cede ou esquece o papel precípuo de cineasta pelo de advogado com tendências a educador e reformador, deixando que o discurso esteril empane as formulações via imagem, e um Robert Wise, consciente de seu artesanato, conjugando as solicitações de fundo em termos de forma, no caso, a linguagem cinematográfica, a diferença, deve-se repetir, é flagrante. Para o realizador de "Quero Viver" não se torna necessário diretamente uma tomada de partido mediante as periféricas exclamações de protesto na bôca de personagens que representam o próprio autor. Um contexto de situações, organizado num complexo de movimento visual, é que faz sentir, e de modo mais profundo, o problema.
De início, em compasso trepidante, assistimos à maneira de viver de Barbara Graham em ambiente de vício e depravação, imiscuída, por outro lado, em atividades marginais. Depois, o casamento infeliz com Henry, o filho e o retôrno ao meio antigo a fim de sustentar o recém-nascido. A respeito do que ocorreu no dia da volta, há uma elipse de narrativa exatamente com o fito de omitir a passagem do crime pelo qual será acusada. O argumento, de acôrdo com os documentos em que se baseou, toma partido por ela, mas não joga com a ficção dos fatos. Pode amoldá-los em consonância com as necessidades dramáticas, todavia não forja eventos que provem concretamente a sua inocência.
Após o julgamento e os trechos desenrolados na prisão, cerca do têrço final da película dedica-se a expor minuciosamente a série de quiproquós e resoluções contraditórias que antecederam o cerimonial da execução na câmara de gás, por seu turno, também apresentado em seus menores detalhes.

Um Oscar é pouco

Susan Hayward ganhou um oscar da Academia, como melhor interpretação feminina ao ano nessa fita. Na realidade, a sua atuação como a protagonista é exemplar. O tipo ajusta-se ao seu temperamento, malgrado possivelmente alguns exageros de marcação nas passagens de eclosão, de descarga emocional. Trata-se de uma atriz muito personalista e destarte, pouco maleável, no modo de caracterizar um comportamento. Mas o que falta em versatilidade (qualidade habitual de todos os bons astros coadjuvantes) está apresente em força, em vibrátil energia em dar cunho a uma determinada reação, em impulso patético e aqui, quando portanto o papel envolve um appeal às suas qualidades positivas, tem uma excelente criação, com a devida ressalva a algumas nuanças algo dissonantes.
Um oscar para a intérprete principal, contudo, é muito pouco em relação a uma obra da estrutura de "I Want to Live”, especialmente levando em conta os competidores e, destes, quem ganhou: “Gigl''... Se, em comparação com outro concorrente, "Acorrentados" (The Defiant Ones), de Stanley Kramer, o absurdo já estava bem caracterizado, agora, ao assistir a película de Wise, êle aumenta de volume. Enfim, é notório que um tal critério de premiação pode ter implicações com tudo, política inclusive, menos com a arte.

Dois tempos

O ritmo das imagens formula dois tempos: o primeiro, de maior consubstanciação dinâmica de caráter extrínseco no suceder das sequências; o segundo, ao contrário, calculadamente lento no mencionado aspecto exterior de encadeamento. Em ambos, denota-se um apurado índice isomórfico, propiciado pela exata adequação no relacionar os elementos de construção pertinentes ao cinema. E a passagem de um tempo para outro flui naturalmente sem que se sinta nenhuma quebra de densidade causada por uma desproporção entre efeitos.
O primeiro tempo que vai até o julgamento de Barbara revela-se um diretor admirável, dominando completamente os recursos de montagem e de composição visual. É, ao mesmo tempo, o momento em que Robert Wise mais sé aproxima de Orson Welles em tôda a sua carreira, principalmente no que se refere ao entreligar de algumas sequências e à arquitetura cênica. O comêço, passada a ótima apresentação pelos letreiros, constitui um correr de planos por tomadas enviezadas de grande efeito. Já, a partir daí, a perfeita identidade de conjugação de uma equipe com vistas à correlação dos fatores estéticos está evidente. A escôlha das figuras humanas e elaboração do décor, forjando um clima de aspereza, uma atmosfera pesada, o uso conscientemente planejado e, amiude, inventivo da fotografia de Lionel Lindon e o fascinante fundo musical de John Mandel, à base do jazz, evecutado por Gerry Mulligan, Shelly Mane, Art Farmer, Bud Shank e Red Mitchell. Existe, sem dúvida, uma desejada e obtida coadunação entre o som dos instrumentos e os jogos de iluminação do camera-man na convergência a uma contextura expressionista da ambiência e, paralelamente, numa plurivocalização do background dramático do entrecho. E o diretor, na condução do entrechoque dos personagens é seco, imediato nas consequências do esquema de fabulação de um episódio, permanecendo a exasperação pela violência na trilha do que é absolutamente funcional.
O segundo tempo é o incessante esmiuçar da existência da mulher na prisão, enquanto aguarda que seja decidido seu destino. A ausência do filho, a mudança de uma penitenciária para outra, o sensacionalismo da imprensa, a visita dos amigos, dos que crêem em sua inocência, a data da condenação constantemente adiada e os apelos dos advogados constantemente negados. Enfim, surge a minuciosa descrição dos preparativos para a execução que, despidos em seus menores detalhes no ritmo cuidadoso de armação do aparêlho mortífero, assemelha-se a uma solenidade bárbara. As diversas fases por que passa o estado de espírito da protagonista nessa conjuntura são também detidamente estudadas e, culpada ou inocente, ela já se tornou vítima. Vítima dos requintes da morte como instituição oficializada, da burocracia de sua exterminação. E vítima principalmente do absurdo, com a perfeita configuração kafkiniana na processualística e a sartriana ao atrair as consequências para o problema existencial.
De forma idêntica, o sensacionalismo e o sadismo que aderem à repercussão do fato, aproxima ‘I Want to Live" de "The Set-Up". Os mesmos que assistiram com enorme interêsse à morte dela na câmara de gás, como profissionais, representam aquêles que degustavam e se deleitavam com os socos na luta de boxe .
Wise demonstra isso, no presente, dentro de outro contexto visual, em compassar lento, não feérico, oposto ao teor de expansão da outra obra-prima. E, no desfêcho, quando o repórter Ed Montgomery (Simon Oakland, um bom intérprete) chega ao pátio da penitenciária, para onde todos saem após a execução, temos uma grande solução-achado. Desiludido, a fim de não ouvir o borborinho, êle desliga o seu aparêlho de surdez. Cessa o som na tela e vemos apenas o movimento de pessoas tomando os carros para ir embora. Silêncio total, um silêncio de luto. Luto, se não pela justiça, de qualquer forma pela sociedade.

Jornal das Letras
01/07/1959

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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