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Cinemascopee Renovação

Novos elementos e o problema da forma

Cassirer, em "An Essay on Man" diz que tôda obra de arte possui uma estrutura teleológica definida. Isto porque, como êle mesmo também observa, "o fator propósito é necessário para a expressão artístico". Para qualquer estrutura, a sua decomposição pode ser realizada através de elementos concebiveis que se encontram relacionados. Todavia, os ditos elementos não precisam estar fisicamente separados, como se existissem por si e fôssem posteriormente combinados. Nós estabelecemos a distinção entre êles e conferimos vigência caracterizada a cada um por via de um método conceitual. Êles são virtuais e não reais, isto é, não são aferíveis numa atualidade contingente pela simples imediaticidade de reação de nossos órgãos sensoriais, embora tôda a obra de arte, qual objeto virtual implique numa “nova descoberta da realidade” por melo da “intuição de suas formas” ( Cassirer, op. dit.).
Em seu importante livro, “An lntroduction to Symbolic Logic". Susanne K. Langer disserta com clareza a respeito do assunto, atingindo com precisão às conclusões básicas para o desenvolvimento do problema: "mesmo que uma coluna não seja composta de peças, umas sôbre as outras, é-nos permissível conceber as suas possíveis partes dispostas desta maneira; e é simplesmente baseados em tal concepção, que podemos denominar como coluna um obelisco ou mesmo o ar numa chaminé ou o mercúrio dentro do tubo de um termômetro. Nós podemos distinguir partes, entre as quais a relação-diretriz de uma forma de coluna se impõe. Desde que as partes em relação numa estrutura possam não o serem (partes), mas sim, qualidades fisicamente ineparáveis, aspectos, localizações, assim qual ingredientes reais em mistura, não me referirei a elas como partes relacionadas, porém como elementos da estrutura. (...) Tôda estrutura é, pelo menos idealmente, composta de elementos. (...) De forma idêntica, ao julgar um instrumento musical, um violino, por exemplo, alguém toma em consideração as proporções entre certos atributos de sua sonoridade - o timbre, clareza, volume etc - mais do que as relações entre os tons, individualmente, entre si. Aqui, as várias qualidades de tom são os elementos de uma estrutura à qual denominamos “o tom” do violino".
Nesse ponto, surge a necessidade de uma distinção básica a se realizar: entre o que constitui elemento e o que constitui material numa esfera de criação artística. Novamente, em poucas linhas. Trazemos a palavra de Susanne K. Langer, agora noutro volume, "Problems of 1 Art", resumindo a questão: “Os materiais são atuais, contudo os élementos da arte são sempre virtuais; e são elementos que o artista compõe numa imagem, numa forma expressíva”. Destarte, no terreno da pintura, a tinta é material, e a côr numa tela já é um elemento, no do cinema, os irmãos Marx, por exemplo, fora do celulóide permanecem como material humano e, na tela, atuam como elementos de um filme.
Os processos de renovação estética sempre se encaminham no sentido de rêforçar e, ou variar os elementos convocáveis a um critério de solução estrutural, principalmente quando êstes atravessam uma fase de nítida saturação. E multas vêzes novos materiais vêm a ser arregimentados a fim de serem-lhes impressas qualificações funcionais com vistas a reabastecer e/ ou readaptar os meios de criação: na escultura, a transmutação do uso de massas compactas para o uso de tiras de metal modulando o espaço, na música, os novos ruídos adotados pelos concretos ou então. na eletrônica, os geradores de freqüência Sonora, a poesia concreta etc.

Novas técnicas e reformulação da linguagem cinematográfica

O cinema, dada a vasta complexidade de materiais de que se socorre, oferece quase que continuamente transformações em seus múltiplos recursos técnicos, de acôrdo com as possibilitadas facultadas pela superaceleração da evolução cientifica em nosso século - o constante aprimoramento de uma série de invenções importantes aparecidas a partir de um período de há pouco mais de 50 anos. Por outro lado, em paralelo com essa mesma evolução, a arte cinematográfica viceja no terreno de uma das mais poderosas formas de indústria de entretenimento existentes, fazendo, por consegüinte, com que um máximo das produções permaneçam voltadas, de imediato, para a meta dos bons lucros. Destarte, sempre que o advento de uma recente descoberta. como, por exemplo, o som, o technicolor, ou cinemascope, venha a ampliar as possibilidades do grande espetáculo, aquilo que os magnatas de Hollywood chamam de fun para as massas, o mínimo das realizações preocupadas in totum ou em parte com a criação verdadeiramente artística ainda mais decresce. O advento do som surgiu, de início, como uma ducha fria nos estetas da velha-guarda, já perfeitamente ambientados com uma sintaxe do cinema mudo: A rápida procura de explorar o novo instrumento em suas facetas mais lúdicas tomou conta da cabeça dos produtores e dai vieram os shows de cantoria e de falações inconseqüentes. Todavia, essas descobertas, enriquecendo o número de materiais passiveis de utilizacão, permitem outrossim, que novos elementos de construção na arte, cinematográfica apareçam, imprimindo mais fôrça à elaboração de uma linguagem visual, conferindo vitalidade aos problemas de ritmo, e impulsionando a constante busca em renovar os meios de expressão Gêneros como os western ou o filme de gangster adquiriram outras dimensões e nasceu o musical. Logo depois, Orson Welles, com “Cidadão Kane”, pôs abaixo qualquer teorização mais renitente a respeito das vantagens do écran mudo sôbre os "talkies". Não que se renegue as conquistas iniciais para os processos de formulação de uma autêntica linguagem cinematográfica levadas a cabo por um Eisenstein, os pioneiros do cinema americano ou francês ou então o expressionismo alemão. Apenas. o próprio desenvolvlmento dêsses processos formativos absorve, mediante a conjugação de todos os fatôres contributivos, e de acôrdo com o grau de superação e/ ou esgotamento pela repetição, ,a mera decorrência linear do que já foi feito e não comporta ser ultrapassado através da manipulação de relações idênticas entre elementos análogos. Uma película como "Encouraçado Potemkim", de Eisenstein, foi uma obra-prima, um clássico exponencial da sétima-arte. Querer hoje em dia, entretanto, reivindicar a sua chave estrutural, baseada puramente no jôgo de cortes. como solução para os problemas cinematográficos, somente pode indicar saudosismo ou gôsto em transformar FORMA viva em fórmula-feita. Aliás, a resposta é o próprio Eisenstein que, malgrado as dificuldades de trabalho, não ficou nisso e criou outra obra-prima absoluta como “Alexandre Nevsky” utilizando pluralidade de elementos em perfeita consonância. "Fncouraçado Potemkim" é, sem dúvida, uma fita históricamente mais importante, pois trouxe à luz a utilização da montagem com tôda a sua pujança, porém, como decorência natural de uma evolução de formas, “Alexandre Nevsky” cedendo na esfera museológica, ganha em atualidade de efeitos.
A inestimável importância da tesoura para a construção rítmica de um filme permanece. Contudo, o encadeamento de efeitos proporcionados pela passagem de um plano para outro assoma à periferia em muito menor número de ocasiões em virtude de uma· plêiade de outros efeitos desencadeados por diferentes elementos - maior heterogeneidade de recursos visando à mesma homogeneidade do todo.
Com a chegada do cinemascope não se verificou na mesma intensidade a falácia dos propósitos artísticos. Isto porque o novo processo de exibição na tela alongada serviu, logo de imediato, como ampliação ao desdobramento de algumas experiências com a côr e o espaço. enquanto que cineastas da primeira linha, como Kubrick, Ingmar Bergman, Aldrich, Visconti, Fellini, Clair ou o próprio Orson Wells, prossegue filmando para tela comum.
A utilização do cinemascone ou de outros processos análogos de écran largo suscita, desde o princípio, alguns problemas novos para découpage, contra-campo e, em especial, o tratamento do plano. Inclusive, muitas cenas que, anteriormente, à base do medium-shot apenas seriam possíveis de se resolverem com o apêlo a mais de uma tomada, podem ser realizadas numa só, como, por exemplo, um trecho em que um personagem arremesse, de certa distância não muito próxima um determinado objeto sôbre outro ou um alvo qualquer. Tal já foi observado com muita propriedade por André Bazin, desde o aparecimento do primeiro cinemascope, “O Manto de Cristo”, com respeito a uma passagem na qual um homem, postado à altura de um dos ângulos superiores do retângulo, alveja outro, colocado perto do ângulo inferior oposto.
O musical, devido as possibilidades diretas de solicitação à fantasia que comporta, mostrou oportunidades de uma pronta evolução com uma série de novos elementos já incorporados, aproveitando outrotanto a faculdade de secíonar a tela em partes, qual o caso de “Dançando nas Núvens”, de Kelly-Donen, ou de “Mademoiselle Pigalle”, de Michel Boisrond... As imensas possibilidades oferecidas à manipulação com o momento de massas já nos foram sugeridas em fitas como (“Terra dos Faraós”, de Horard Hawks, “Alexandre o Magno”, de Robert Rossen, ou "Helena de Tróia", de Robert Wise, e, aqui, vem à memoria o que não faria o falecido Eisenstein.
Ao mesmo tempo, diretores novos e também dotados de visível Capacidade inventiva, Frank Tashlin ou um Roger Vadim, por exemplo, já evidenciam uma assimilação perfeitamente funcional do cinemascope (“Oh, For a Man” e o magnifico e insólito “Saint-on Jamais”) ao passo que um Nicholas Ray talvez tenha construído as suas melhores pelfculas dentro da nova técnica: “Juventude Transviada" e "Amargo Triunfo".
E os recentes sucessos de um “Dragões da Violência”, de Samuel Füllee, de um “Nasce uma Estrela” de George Cukor, ou de um “Bonjour Tristesse”, de Otto Preminger, além das mencionadas realizações de Vadim e Tashlin, comprovam positivamente uma paulatina evolução a riqueza de novos efeitos provenientes das especulações com os mais modernos recursos técnicos. Quanto ao mais, e malgrado ainda não exista uma obra-prima cinemascópica de grande envergadura, resta apenas esperar o nascimento de um novo “Cidadão Kane” de um novo Welles. Ou quem sabe, o mesmo?

Correio da Manhã
29/11/1958

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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