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Eisenstein - Greve

O Festival do Cinema Russo e Soviético, que ora inicia a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, surge a oportunidade de rever a obra, pequena, mas compacta, daquele que, até hoje, talvez ainda seja o maior criador de cinema, o mais lúcido na compreensão de seu meio formativo, cuja cultura, profunda, ampla, permitiu-lhe também o status de esteta, entre os melhores da sétima-arte: Sergei Mikhailovich Eisenstein. Lado a lado com êle, apenas o prodígio da intuição, da inteligência do improviso de um Chaplin pode se colocar, estabelecendo-se êsse permanente confronto dialético entre a imediatieidade intuitiva, fenomenológica; e o racionalismo fundamentado que leva ao planejamento consciente. Outros, como Murnau, Dreyer, Clair, Lang, Epstein, Ford, Welles, Ophüls, De Sica e, agora, Alain Resnais; já atingiram, aqui e ali, o seu teta, todavia sem manter a constância do cineasta soviético. Parque, do primeiro ao último filme seu, todos são, senão importantes, clássicos do cinema.
A Greve (Statchka), a sua realização de estréia como diretor cinematográfico estava, até então, praticamente desconhecida entre nós, e já se consiste numa fita de extrema importância. Baseada num roteiro do próprio Eisenstein, juntamente com Valéri Pletnyov, e já contando com a colaboração do grande fotógrafo Edouard Tissé, a película foi lançada em 1 de fevereiro de 1925, em Leningrado. Pouco antes, estava justamente êle a trabalhar na montagem da versão russa de Doutor Mabuse, de Fritz Lang, e profundamente mergulhado no estudo da obra de Griffith, Intolerância em especial. A fita do pioneiro americano da sétima-arte influenciara-o bastante, principalmente no tocante ao desenvolvimento da sua teoria da montagem de atrações, cuja concepção lhe fora despertada, em primeira mão pelo teatro Kabuki, Eisenstein, em dado momento, percebeu que o cinema era o terreno ideal para levar à frente tal concepção. Em 1923, na revista de vanguarda L.E.F., dirigida por Maiakovski, amigo de Koulechov e, até hoje, o maior poeta da revolução ("não há arte revolucionária sem forma revolucionária"), escrevera seu primeiro artigo, abordando o tema e em função de uma peça de Ostravski que êle iria encenar no Proletkult. De acôrdo com Sadoul, a palavra atração é tomada por Se no sentido quase filosófico de uma sensação violenta imposta ao espectador; atrações captadas, arbitrariamente, no tempo e no espaço. Vamos transcrever dois trechos do artigo, publicado em LEF, essenciais no esclarecer o pensamento do extraordinário cineasta na época: "Em nossa concepção de teatro, atração constitui o momento particular, durante o qual todos os elementos concorrem a fim de determinar, na consciência do espectador, a idéia que se lhe quis comunicar, colocando-o no estado de espírito ou dentro da situação psicológica que suscitou essa mesma idéia". "Aplicada com método, torna possível o desenvolvimento de uma miseen-scene ativa. Em lugar do reflexo estático de um evento - onde tôdas as possibilidades de expressão permanecem nos limites do desenrolar lógico da ação - nós propomos uma nova forma: a montagem livre, de atrações arbitrariamente escolhidas, independentes da ação propriamente dita (escolhidas, entretanto; segundo a continuidade lógica desta ação que determina o sentido delas), o todo colaborando no estabelecimento de um efeito temático final - assim é a montagem de atrações".
Possivelmente, o exemplo mais característico do que entendia Eisenstein por montagem de atrações está em
A Greve. Abarca tôda a grande seqüência final em que, paralelamente ao massacre dos operários pelos soldados do Tzar, assistimos a matança de um boi, sangrado e cortado. A montagem se opera, evidentemente, mediante um jôgo de alternância dos planos, submetida às solicitações de um esquema rítmico. Êsse tipo de confronto, na base da sugestão, e de inspiração nitidamente simbolista, seria mais tarde melhor absorvodo pelo que, no cinema, se entende por elipse, quando uma espécie de metáfora motovisual se desenvolveria no sentido do elemento puramente alusivo suprir o elemento conceitual ou descritivo. O mesmo Eisenstein evoluiria em suas teorias da montagem, nesse caminho da síntese funcional - o que, logo depois, começa-se a verificar com o Encouraçado Potemkim. De qualquer maneira, fica essa seqüência de Greve, como um exemplo importante de um estágio estrutural, com o seu empolgante ritmo visual e aquêle breve e admirável panorama final dos corpos derramados no solo.
A mencionada vertente simbolista, acima detectada, se denota com maior desembaraço em algumas passagens iniciais do filme. Há inclusive empregos (bem consumados) de fusão e da íris, lembrando, vez por outra, qualquer coisa dos impressionistas franceses, dentro da primeira
avant-garde estipulada por Delluc, chegando até a L'Herbier. Ao mesmo tempo, a caracterização chaplinesca do gordo como vilão e é ver o diretor da fábrica tentando utilizar uma máquina de escrever que afunda inopinadamente por dentro da mesa.
Por outro lado, encontramos uma das mais espetaculares utitizações do
décor alegórico, a simbolizar a crítica caricatural da ostentação: é a sucessão geométrica das escadarias da residência de um dos magnatas, onde, num quase vértice de pirâmide, surge um ponto negro que, a medida em que desce e se aproxima, vai-se transformando num mordomo, chamada pelo patrão a fim de recolher uma insignificância que caira a seus pés, enquanto prossegue a beber e trocar baforadas de charuto com seus sócios. Aqui, como durante todo o desenrolar da pelícuta, já está reconhecível todo o apuro plástico e a fabulosa arquitetura visual, onde Eisenstein sempre foi insuperável. O rigor e a inventiva dos enquadramentos e das angulações - uma espécie de gráfico preconcebido. O diretor, com o tempo, ainda mais intensificou, êsse aspecto, até chegar ao ápice de Alexandre Nevski ou de Ivan, O Terrível, porém, desde A Greve, a sua estilização pictórica estava delineada em definitivo.
E também a constante do movimento de massas. São várias as seqüências nesse teor. Se, para algum, a identificação hegeliana (tese/ antítese/ sintese) já vem implícita na concepção de montagem, o que paira numa esfera ainda mais ampla é a sólida consciencialização de um processo social em relação à lucidez criativa da câmara e da tesoura, a raiar a dinâmica de um isomorfismo exemplar. Destarte, sob tal ângulo de visão, a maior seqüência, antológica, magistral, que hoje, em nossa opinião, se impõe com
A Greve, é aquela da dispersão dos amotinados através das duchas de água das mangueiras. São cêrca de dez minutos de pujança pictórico-musical (espaço e o tempo como música) o branco agressivo das duchas riscando o fundo cinza, em paralelo com o movimento das massas - tôda essa movimentação dotada de precisa unidade harmônica para um efeito de amplitude.
Se, em têrmos estruturais,
A Greve não traz o alcance dos outros filmes de Eisenstein que o sucederam, constitui-se, por si só, numa realização de alto impacto, a fazer a estrêla de qualquer cineasta dotado de menores ambições E, em diferente terreno, invoca o contôrno do salto qualitativo que sai de Griffith e chega a Potemkin.

Correio da Manhã
12/12/1961

 
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