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Permanência de Jean Vigo

A morte prematura de Jean Vigo, em 1934, fêz com que sua obra resumisse apenas em quarto títulos: A Propos de Nice, Taris, Zéro de Conduite e L'Atalante. Contudo foi o necessário para, atualmente, ser, entre os diretores franceses do passado, aquêle cujo espírito permanece mais presente em algumas das principais reussites dessa espécie de renascimento vigoroso, participante, inventivo, que é a nouvelle vague. Clair, entre todos os mestres, o de obra mais compacta, detendo um estilo muito pessoal, tornou-se uma estrutura fechada como ifluência revivificante. Além disso, foi transformado, juntamente com Carné; num dos alvos preferidos da fúria iconoclástica da nova geração de críticos-diretores aninhada no Cahiers du Cinéma. Quanto a Renoir, inversamente, guindado a figura-matriz de um insólito santuário, com uma produção farta, eclética, sem a constância de uma proposição formativa mais definida, ficou como um mito infecundo, a abstração de um apêlo "litúrgico", vazado no delírio e desvario crítico de determinados pontífices da equipe Cahiers.
O que caracteriza essa permanência de Vigo é um sentido de libertação consumado em feição isomórfica, tanto no tratamento do filme, como em seu fundo. Apesar do seu approach com o surrealismo e da conseqüente influência em seu temperamento – chegava mesmo a considerar uma realização, como Le Chien Andalou, de Buñuel, uma fita exemplar – não é o estilo dessa corrente que aflora o sentido orgânico peculiar de sua obra. Poderia o surrealismo ser um ponto de referência, um parti-pris intelectual, mas, daí em diante, se evola no complexo de uma experiência pessoal amalgamada noutros elementos. Também o anarquismo não deve ser considerado como um absoluto discernível de sua postulação ética, implicita no mencionado sentido de libertação. Aqui, trata-se de uma atitude de luta e não de um anarquismo essencial, a desconhecer qualquer princípio de autoridade. A libertação é aquela revestida no combate a uma subordem social reinante, vazada na alienação do moralismo burguês, prêsa na contradição de adorar um escala de valores que permanence apenas um caótica abstração racional. E quando o fator humano intervém, na presunção de acionar tal sistema, cada homem, em contato-conflito com a sua função pré-estipulada, torna-se uma caricatura. Daí, é a euforia, não só um tom, mas quase um ritual, quando os indivíduos que guardam uma pureza vivencial, imanente, se livram do nexo anacrônico da imposição dêsse sistema caduco. Zèro de Conduite, a nosso ver, seu maior filme, é também o que melhor espelha os lampejos da euforia: a revolução dos colegiais, num ritmo sonoro-visual de grande impacto.
O comportamento em ação, um estar em campo fenomênico, que orienta o fluxo de pesquisa de algumas das melhores películas da nouvelle vague, já era divisado, pelo menos de modo mais difuso, na concepção de Jean Vigo. Não se denota o personagem, de acôrdo com suas características clássica, pré-conceituais e originárias do teatro e do romance. E, com êle, ocorreu também essa dialética entre dois estágios – documentário e ficção -, importante em suas conseqüências de ativar uma nova técnica de apreensão, descoberta da realidade. É justamente o crítico André S. Labarthe quem, em seu instigante Essai sur le Jeune Cinéma Français, levante esse problema de transição – documentário a ficção – com referência a obra de três cineastas franceses da atual geração: Rouch, Franju e Alain Resnais, êste ultimo, após uma primeira fase já bastante profícuo, entrando na segunda com o revolucionário Hiroshima, Mon Amour.
Vigo, exatamente antes de Zèro de Conduite, vinha do documentário, através de Taris e A Propos de Nice. Aquêle, em curta-metragem, dentro do estilo mais sêco e impessoal: o nadador em seu habitat, a água. Já A Propos de Nice contém o ritmo e o colorido de um ponto de vista pessoal, modulando expressivamente o que a câmara capta da realidade e, mesmo, modificando-a no que ela propõe materialmente em sua superfície. Exemplo: a mulher sentada, primeiro vestida e depois, na mesma posição, despida. E essa fita já desvendava o espírito de euforia, a brotar naturalmente de um diapasão alegórico.
Voltando agora aos diretores modernos, aquêle cuja personalidade mais é identificada à de JV é François Truffaut, mercê principalmente de seu Les quatre Cents Coups (Os imcompreendidos). Não só o tema, versando sôbre a adolescência desorientada e um reformatório de garotos, porem uma cena-chave torna-se a constante habitual a fim de constatar o parentesco: o desfile dos meninos pela rua, com o professor de ginástica, em muito semelhante ao mesmo passeio dos colegiais de Zèro de Conduite, acompanhados pelo monitor.
Entretanto, tal semelhança se nos afigura baseada apenas em recorrências superficiais, anedóticas, mas, na essência de uma experência estrutural, o critério formulativo é bem diverso. Evidentemente esse passagem é um escape de memória de Truffaut e, malgrado, o padrão dos personagens ser muito afim ao da películo anterior, há uma profunda divergência em sentido geral. Se a face externa de Os Incompreendidos, em dado momento ou outro, afina com uma figuração de Zèro de Conduite, o seu processo está muito mais ligado, tecnicamente, aos movimentos da câmara de Max Ophüls e a uma afluência de tratamento com os personagens vinculada ao esquema realista, ou, por que não?, ao neo-realista.
Já como contrapartida disse, é que surge o Jean-Luc Godard, ou então A Bout de Souffle (Acossado). Antes de tudo, um dos filmes mais importantes dos útimos tempos, só cedendo a palma, em seu país, Hiroshima, Mon Amour. Demonstra, por outro lado, onde Vigo poderia ter chegado ou, pelo menos, ter-se aproximado. A técnica do comportamento em ação já inteiramente depurada numa totalidade significante em seus têrmos de estrutura. O personagem não mais um determinado ser, definido, para o espectador, intelectualmente, de antemão, porém mediante de um estar que lateja através da imagem em movimento ou dentro do movimento.
O protagonista reveste-se daquele furor anárquico de quem ignora qualquer relação de valores estabelecida, age e reage a gusto do impulso, não se procura explicar como se formou, de onde vem; em outras palavras, não existe um histórico discursive para descrevê-lo a priori, Jean-Luc Godard utiliza o diálogo de modo inventivo, quebrando um desenvolvimento linear de idéias. Pequenos detalhes objetivos conferem o tom de cada tipo humano, mostrando que as invocações retrospectivas não passam de um fatos expletivo, quando seu escopo é somente o exterior, conceitual.
Se, animando o protagonista de Acossado, não existe uma revolta contra uma entidade real, ou a própria ordem social, sendo a sua condição marginal prefericamente extemporânea, isso não afasta o filme de Jean Vigo, como a intenção construtiva de Truffaut, por si só, também não o afastaria. Mas, no temperamento de Godard reside aquela intuição para com o espírito da libertação eufórica, o instante no qual a pura sensação de um tempo presente do viver se manifesta em têrmos cinematográficos, ou melhor, nós firmamos essa conceituação a partir de uma analogia de efeitos obtida por meio de elementos diversos, quase duas décadas depois. A seqüência em que Belmondo e Jean Seberg se agitam debaixo dos lençóis, enquanto o rádio da mesa toca vigorosamente, é todo o Jean Vigo ressuscitado, pela pujança do inesperado, pela fôrça de uma manifestação de eclosão vital, pura em seu alheamento a limitações de método, casta, classe – o Vigo dos meninos da alegoria em camera lenta, de revolução pelos travesseiros ou da fuga pelos telhados.

Correio da Manhã
01/07/1961

 
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