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Atualidade de René Clair

CONTANDO no momento sessenta anos de idade, dos quais os últimos 35 são dedicados a carreira de metteur en scene, Renê Clair ainda se mantém na primeira linha dos melhores realizadores da atualidade, deixando muitos novos, cheios de pretensões, numa posição bastante desconfortável ou embaraçosa frente a seu trabalho. Na França, mesmo os componente da famosa trindade, Renoir-Duvivier-Carné, sustentáculo do período de apogeu do cinema gaulês - compreendido entre o início dos talkies até o princípio da segunda grande guerra - e que em parte, chegaram a ofuscar a sua atuação durante aquela época, já agora começam a fazer denotar uma natural perda de fôlego enquanto Clair prossegue com toda a exuberância a sua trilha.
Após preencher um trecho da existência com as mais variadas atividades - poeta, desenhista, repórter, livro de memórias sôbre a primeira guerra, na qual tomou parte, iniciou a sua cintilante trajetória no terreno da sétima-arte como ator e assistente de diretor ao lado de Louis Feuillade e Jacques de Baroncelli. Em 1923 levava a efeito o seu primeiro filme: "Paris qui Dort", cuja grande vedeta é a Tôrre Eiffel. "Entreato", que veio logo no ano imediato, um dos curta-metragens favoritos nos cine-clubes é uma das películas suas consideradas como de inestimável importância, dado o arrojo de algumas invenções e a extravagante concepção simbólica do dadaísmo se extravasando através das imagens. Na verdade, a intimidade que possuía com os diversos movimentos de vanguarda que eclodiram no presente século, aliada ao interêsse pelo cinema, ocasional ou permanente, de homens como Marcel Duchamp, Erik Satie, Jean Cocteau, Francis Picabia (êste, um dos chefes do movimento dado, escreveu o cenário de "Entreato"), Hans Ritcher e Man Ray (êstes últimos, apresentando contribuição antológica para uma filmografia do surrealismo: "Dreams that Money can Buy", "Étoile de Mer") permitiu que êle adquirisse um determinado elan, ísto é, uma certa dose de vitalidade, uma firme vontade em renovar os meios de expressão livrando-se, por conseguinte, dos tabus em que se apoiavam os roteiros esquematizados a partir de concepções exageradamente literárias. E, passado o período vinculado a clima das "atitudes heróicas", da ânsia constante de épater les bourgeois, próprio às fases polêmicas daquelas vanguardas, o futurismo, o dadaísmo, o surrealismo etc.. Clair, desde o antológico "Le Chapeau de Paille D’Italie", vem enriquecendo uma carreira plena de êxitos artísticos, não apenas no país de origem, como também na Inglaterra ou América do Norte. A comédia, a fantasia, o drama, a alegoria, a novela policial, em quase todos os sentidos de expansão visual, em quase todos os gêneros passíveis de classificação na esfera da sétima-arte, a sua capacidade de realizador eficaz, pródigo em efeitos, se manifestou com sucesso. Isto é devido principalmente à sua vivacidade à sua versatilidade invulgar, qualidades até hoje atuando como um foco estimulante em seu temperamento de esteta. E, dessas características heterogêneas a que se amolda com evidente desembaraço o seu estilo, talvez seja a noção em imprimir um sabor inigualável às conseqüências de cunho férico o seu ponto mais forte e relevante.
Chegado o após-guerra, e depois de uma estada algo demorada fora da França, êle retomou o fio da trajetória que vinha cumprindo com brilhantismo inesperado. "Le Silence est d’or", "La Beauté du Diable", "Les Belles de Nuit", "Les Grandes Manoeuvres" e "'Porte des Lilas", todas as cinco, umas com mais intensidade, outras com menos, atestam a perfeita forma em que se encontra.

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Este ano; foram exibidas aqui entre nós, as suas duas últimas realizações, "Les Grandes Manoeuvres'' As Grandes Manobras) e "Porte des Lilas" (Por Ternura Também se Mata).
Bastam as duas referidas película para constatar com nitidez a permanência das qualidades mais frisantes do mood de René Clair, todas ainda lapidares como fonte de soluções a dequadas ou inventivas no tratamento ritmico-visual da liguagem-cinematográfica. Embora não apresentem o caráter antológico de um "Jeux Interdits" (Brinquedo Proibido), de René Clément, de um ''Dieu a Besoín des Hommes'' (Deus Necessita de Homens), de Jean Dellanoy, de "Les Vacances de M. Hulot" (As Férias de M. Hulot), de Jacques Tati, ou então a elevada estatura de um "Le Diable au Corps" (Adúltera), de Claude Autant Lara, são ambos filmes de alta classe, onde, inclusive, a justa posição de um com o outro vem tornar patente a energia do seu temperamento versatile. Tanto no que se refere à orquestração precisa de uma peça intimista de menor amplitude, como "Porre de Lilas", como na espontaneidade em desenvolver um ritmo ideal, básico, a partir da própria dança, para as tonalidades do evocativo em "Les Grandes Manoeuvres" a segurança que denotou é exemplar.
"As Grandes Manobras" é justamenta uma fita mais importante que "Por Ternura Também se Mata" por substantivar consequências mais largas em sua totalidade. O compasso feérico da dança que qualifica todo o extravasamento romântico de uma época passada, sem retôrno possível, é absorvido essencialmente pelo ritmo das imagens, quer dizer, não mediante a mera exposição linear-figurativa dos vários personagens nas diversas ruas, varandas ou salões por onde corre o cenário, e sim através do método de desdobramento dos shots dentro de uma pauta pré-estabelecida de cortes e travellings. Aqui, o grande diretor obtém uma espécie de marcação inusitada, pôsto que perfeitamnte functional, para o desdobramento das seqüências. O espectador é levado a ver o filme sob o prisma de um verdadeiro baile, e o baile é contraponto, sublinhamento e efeito do romantismo inerente ao período da história em que se desenrolam as ações presenciadas na tela. Sente, em conseqüências efeito propiciados pelo ritmo da ação encerrada no plot mediante os processos da ação fílmica no instante em que esta consegue extroverter um clima análogo, por meio de recursos formativos, ao que está subentendido no tema de modo simplesmente enunciativo.
Em "Porte des Lilas" surge a recorrência, cara de certa maneira ao cinema francês, do tema da amizade. O ritmo aparece então necessariamente lento, dentro dos propósitos contidos no roteiro, malgrado em algumas passagens a mencionada lentidão ultrapasse, de acôrdo com as variações possíveis entre os receptáculos sensíveis de cada um, os limites do estritamento funcional. O diretor é obrigado a se utilizar com mais assiduidade do trabalho dos atores e, dentre o trio principal masculino, Pierre Brasseur, Georges Brassen e Henri Vidal, os dois primeiros oferecem interpretações de grande categoria.
O êxito artístico, embora, e sob alguns aspectos, relativo, de "Por Ternura Também se Mata", serve entretanto para reiterar a excepcional habilidade de René Clair, a indiscutível vitalidade da qual é detentor, numa película de difícil consecução e que nas mãos de um Bresson poderia com muitas probabilidades se converter num espetáculo facilmente insuportável.

Correio da Manhã
12/07/1958

 
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Revista Leitura 30/11/-1

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Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

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Ingmar Bergman - VI (conclusão)
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