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Presença de Ingmar Bergman

Jamais tive necessidade de me aburguesar. Sempre fui burguês, conservador e tudo que mais se deseje, caso isso venha a satisfazer…
Uso a barba como símbolo e também raspo-a como símbolo. Existe em mim um ator que não nasceu e que se disfarça diversamente de acôrdo com as circunstâncias. Às vêzes melhor, outras pior. De qualquer modo, uma barba é uma deficiente máscara e, provavelmente, dissimula-se bem melhor com uma face recém-barbeada.


Experimento uma necessidade irremovível de exprimir através do filme o que, de maneira inteiramente subjetiva, se forma em alguma parte de minha consciência. Nesse caso, não tenho outro objetivo que eu mesmo, meu pão cotidiano, o entretenimento e a estíma do público, uma espécie de verdade que provo justamente neste momento.
Meu nome e meu sobrenome não são lembrados em parte alguma e desaparecerão comigo. Porém, uma pequena porção de mim sobreviverá na totalidade anônima e triunfante. Um dragão ou um demônio, talvez um santo, pouco importa!


Acima estão algumas tomadas de depoimentos pessoais do grande cineasta sueco, Ingmar Bergman, que vem nos últimos anos, mediante as suas realizações, chocando, abalando e, ao mesmo tempo, maravilhando a crítica européia.
Aqui vemos se delinear possíveis e determinada facêtas do seu temperamento: o intelectual empedernido, o solitário (malgrado essa característica jamais tenha sido cunhada sob o signo da revolta), a ironia, a conjuntura estabelecida pela sua própria condição (e que ele também declara reconhecer) arte pela arte; ou talvez isso tudo apenas uma de suas máscaras.
Hoje em dia, um autêntico caça-prêmios dos festivais de cinema, pois os quatro derradeiros filmes que lançou foram laureados: "Sorrisos de uma noite de verão", "O Sétimo sêlo", "O Segrêdo dos morangos" e "No Limiar da vida". E alguns críticos franceses, tão zelosos em preservar um culto à hegemonia na sétima-arte do cinema pátrio no continente ou então até há pouco seriamente preocupados com o fenômeno Fellini, declaram agora ser Bergman o maior diretor da Europa.
Se, por um lado, êle no momento presente é que chegou à posse de uma definitiva maturidade, de outro, é forçoso assinalar que outras películas de grande importância figuram em sua carreira, tendo sido levadas a efeito numa época distante das fulgurantes adjetivações da imprensa atual. "Fàrtgelse" (Prisão), exibida pela primeira vez em 1948, foi a fita a chamar sôbre si, de início, a atenção dos observadores. Um roteiro complexo procurando vislumbrar um universo regido pelo demônio concretizou-se num espetáculo impressionante para muitos e, em paralelo, essencial para o descerrar uma metafísica bergminiana que viria a se desenvolver paulatinamente mediante um transformismo periódico de seus elementos temáticos.
Posteriormente surgiria o que poderíamos denominar "o ciclo do verão” a sua fase melhor conhecida entre nós, através de "Juventude, Eterno Tesouro", "Enquanto as Mulheres Esperam" e "Monika e o Desejo", denotando aquêle sentido de um conformismo latente com o efêmero das coisas e o reconhecimento do homem de sua própria incapacidade em superar a condição a que permanence adstrito, quando a tentativa em escapar aos liames de ordem, de uma normalidade que o anula como entidade isolada, e em busca de uma suprema felicidade, fracassa pela incapacidade dele mesmo, o indivíduo, se definir fora dos fatores circunstanciais do hábito.
Como ápice dessa epopéia do efemero, apareceu então "Noites de Círco", onde o critério excepcional de fabulação confere a almejada amplitude ao problema.
Encerrada a mencionada fase, ''sob um novo prisma, com outro ângulo de visão, ele entrou no terreno da comédia com pleno sucesso, como o atestam a excelente amostra que tivemos com "Uma Lição de Amor'' e as referências extraorinariamente elogiosas que obtiveram no estrangeiro "O Sonho das mulheres" e "Sorrisos de uma noite de verão". (1)


As conjunturas são essencialmente as mesmas; apenas as tonalidades do trágico vêm a ser modificadas pelas de um cinismo amoral, de uma ironia mordaz, embora prossigam as características insólitas no tratamento e ou esquematização geral dassituações previstas no script e, outrossim, a constante intensificação de toda uma simbologia peculiar pertinente à esfera do erotismo vem a encontrar uma formulação mais específica.
Finalmente, nesta sua última etapa que atravessa, com os três filmes premiados, Ingmar Bergman parece ter abandonado determinadas constantes de seu processo de fabulação e ingressado num teor mais direto em suas especulações metafisicas, sempre, entretanto, numa elevada linha de padrão artesanal a garantir o êxito das realizações.
Com a apresentação de uma retrospectiva do cineasta sueco pela Cinemateca francesa, alguns críticos, havendo tomado conhecimento com a quase totalidade de sua obra, lançaram-se ao julgamento de sua personalidade e ao seu trabalho sob diversos aspectos. Um deles, Jean-Luc Godard, no "Cahiers du Cinéma" de julho do corrente ano, empenhou-se em situá-lo dentro da velha distinção-tabu classicismo x romantismo, optando por esta ao denominá-lo "le dernier grand romantique" e também colocando Bergman em oposição a Visconti, ao dizer que admirava "Les Nuits blanches" (derradeira fita do regisseur italiano) mas gostava de "Juventude, Eterno Tesouro" (película de extrema importância e valor, exibida em São Paulo há alguns anos, contudo até hoje inédita no Rio por questões inexplicáveis. (2)
Se formos encarar uma tal conclusão somente através do prisma de dedução dos vários planos temáticos no conjunto da obra, torna-se passível a sua aceitação. Todavia, caso examinemos a atitude do artista frente à obra, os métodos e recursos empregados no trabalho, já uma tal assertiva tende a entrar em diluição face a uma visível contenção na absorção do princípio romântico pelo autor, evitando que chegue às mais decisivas conseqüências. O patenteado rigor na elisão de soluções literárias, a noção de organizar em nítido sentido estrutural uma complexidade de elementos funcionais à linguagem especificamente cinematográfica negam terminantemente o romântico exacerbado, pronto a facultar que os desmandos psíquicos venham a infuir na elaboração da peça. A feição isomórfica está permanentemente em ação. Entrosamento firme entre ritmo orgânico e visual, malgrado a muitos tal entrosamento se afigure deturpado devido a justaposições arrojadas de elementos de composição não somente visual mas também rítmica, o desprêzo pelas soluções mais comuns e equívocas de montagem de atrações e a aplicação multiformes dos mais variados recursos.
Com Bergman, os problemas de espaço e tempo no cinema ganham uma contribuição valiosa na criação de uma nova perspectiva dos processos formativos da sétima-arte. Um inventor na verdadeira acepção da palavra, apoiado nos fatôres realmente vivos e consubstanciados numa tradição de estética, que reestimula a pesquisa autêntica do básico problema da forma. Infenso ao desvário publicitário, aos modismos de uma super-estimação da capacidade em fomentar periféricas gesticulações de revolta, nele ou num novo, como Stanley Kubrick, é que se pode perscrutar a trajetória futura da linguagem cinematográfica e nunca nos apressados portadores de mensagens deste ou daquele credo ou ideologia política-moral-religiosa, muitas vêzes ainda contendo as abusivas reiterações chaplinescas, o gôsto das fanfarras e interpelações discursivas típicas aos candidatos a arauto de um mundo melhor, todo mundo contente e o cineasta também. E o amplo malefício de tal deturpação ficou há pouco evidenciado: "Cidadão Kane", de Orson Welles, reexibido, no Festival do Museu de Arte Moderna, 17 anos depois de sua estréia, surge ainda aos nossos olhos como um filme de vanguarda. O que indica não ter sido a lição apreendida.

***

1 - Segundo informações, existe a boa notícia de que "Sorrisos de uma noite de verão" será afinal apresentado no Brasil, distribuído pela CondorFilms.
2 - Também "Uma Lição de amor", embora há mais de ano lançada em São Paulo, não foi inexplicavelmente aqui estreada.

Correio da Manhã
11/10/1958

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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