La Dolce Vita é o ápice na carreira de Federico Fellini e um dos ápices do cinema italiano. Pode-se argumentar contra a ingenuidade do cristianismo felliniano, que, destituído de maior formação filosófica, ainda encara o processo sob uma escala de valores absolutos. Mas, amiúde, nem sempre a consciência precisa de uma atualidade dos problemas; equivale a uma condição sine qua non para o êxito com as formas de expressão. Pois existem os primitivos e, no cinema, Chaplin é o maior de todos; Fellini vai na sua trilha, embora se esforce como pensador. La Dolce Vita expõe uma dinâmica motovisual das mais instigantes. Em dado momento, devem os experts em sociologia, economia, epistemologia, ontologia, psicologia & ramificações, no transe da alegoria, esquecer os seus conhecimentos aplicados e renderem-se à magia da imagem – até aquele final, quando as ondas nos devolvem um signo apocalíptico. E o protagonista se perderá nesse novo oceano de Lautreamont, junto aos viciados, devassas, meretrizes, tarados, libertinos, homossexuais, sacrílegos, corruptos etc. No lado mais puro da areia, ficou a menina loura, símbolo da pureza, acenando um sorriso. E, enquanto Fellini, acena desesperadamente, há outros que preferem morrer no mar... La Dolce Vita é a euforia do neopaganismo e o seu realizador dá, a ele, uma resposta demasiado suave para que a encontremos no corpo a corpo com a vida. É a doce fantasia. Mas, em dado momento, vemos, em transe neurórito, enquanto os operários já ou ainda trabalham: são os que sustentam a doce vida.
Correio da Manhã
23/09/1962