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Cinema Forma

A apresentação entre nós, no ano recém-findo, de uma obra da envergadura de “Glória Feira de Sangue” (Paths of Glory), de Stanley Kubrick, reacendeu até certo ponto o estimulo de alguns para uma nova busca de argumentos em prol da necessidade emperecível de que deverá ser detentor o cineasta em se socorrer de idéias ou temas que, aprioristicamente, lhe garantam uma real participação ativa com os fatos do universo, através do futuro, resultado do filme a ser realizado segundo essa concepção. Muitos chegariam mesmo a estranhar que Kubrick, em declarações ao “Cahiers Du Cinema”, tivesse asseverando ser Max Ophüls o diretor que mais admirava, citando logo depois, com grande entusiasmo, o sueco Ingmar Bergman. Como seria possível ao jovem que acabava de rodar uma película da máxima importância, para eles, principalmente pela coragem de ser tema, fosse nutrir admiração por um veterano “decadente”, imbuído do velho espírito vienense, com o seu “barroquismo caótico” elaborado a base de incessante travellings ao redor de lustres pomposos, mulheres frívolas, carruagens, luvas, flores, valsas e cartolas?
Nasce daí o fundo falso da questão, isto é, o que R. G. Collingwood, em “The Principles of Art”, denominou
that strange hybrid distinction, form and content. Na realidade, não há meio de empregar uma distinção num mesmo prisma de observação. A obra de arte atua qual a própria evidência do objeto criado, age sobre a nossa sensibilidade como um todo. Forma versus conteúdo é uma inexistente formula de dualidade. Nós apreendemos a obra de arte mediante a conjunção de nossos sentidos que assimilam os seus efeitos. A etapa posterior é que se consiste na do intelecto que declina os elementos, desvenda as relações entre eles e, ao mesmo tempo, confere a essa totalidade uma significação convencional ao modo de pensar. No caso do cinema, como ele está na maioria das ocasiões afeito a utilização de signos diretamente icônicos, surge com mais intensidade a ilusão a respeito da existência de um fluxo temático, deduzível de uma figuração análoga a de nossa experiência imediata com o mundo, a definir em ultima instaâcia o objeto criado. Contudo fosse assim, que dizer da pintura de um Mondrian, de um Albers, que dizer da música? Negar o fato estético apoiando-se numa ausência de representação da realidade, seria recair na velha concepção aristotélica da imitação.
Merleau-Ponty, num importante estudo, “O Cinema e a moderna Psicologia”, publicado no volume “Sens et Non-Sens”, rompe com os aforismas da psicologia clássica, estreitamente ligada ao racionalismo de Descartes, que atribuíam a inteligência o poder de captar e aduzir os dados da experiência. “Minha percepção não é então uma soma de dados visuais, táteis, auditivos. Eu percebo de um modo indivisível, mediante a meu ser total. Eu capto uma estrutura única do objeto, uma única maneira de existir que fala, ao mesmo tempo, a todos os meus sentidos”. Desmonstrando a impossibilidade de um partir-pris inicial do intelecto, através de uma nova formulação que levou a efeito na interpretação dos fenômeos sôbre os quais estribavam-se justamente os racionalistas a fim de desenvolverem a sua tese, tornada incoerente, Merleau-Ponty, reportando-se apos ao cinema diz: “No cinema, a palavra não está encarregada de aduzir idéias as imagens, nem a musica, sentimentos. O conjunto nos comunica, qualquer coisa bem precisa, que não se trata nem de um pensamento, nem de uma evocação as sensações da vida. E mais adiante: A idéia é trazida a um estado nascente, ela emerge da estrutura temporal da película como numa representação da coexistência de suas partes. E o dom da arte o de demonstrar como qualquer coisa vem a significar, não por alusão a idéias já formadas e adquiridas, mas sim pela disposição temporal ou espacial dos elementos. Um filme exprime o que uma coisa exprime: um e outro não falam a diferentes meios de compreensão. O filme não é pensado e sim percebido.”

Como já foi frisado, isso não invalida a possibilidade de qualquer digressão a posteiori, versando a respeito das condições em que a peça se consumou, atitude ética ou estética ou estado de espírito do artista. Se a evidência da obra de arte é o fator forma, é natural a análise do meio-ambiente que faculta o desenvolvimento de um determinado complexo de formas simbólicas. Acontece mesmo que nem todos os artistas permanecem inteiramente consciente da relevância dos processos formativos e muitos que se inserem nesse grupo não deixam, por isso, de realizar obras de maior importância. No caso do atual cinema italiano, temos, por exemplo, entre seus principais cineastas, de um lado a figura de um Luchino Visconti, com a formação e a consciência de um esteta puro, de outro, um Fellini, para quem é necessária a preformulação de uma história com a qual se afinem as manifestações de seu temperamento místico. Todavia, na opnião de muitos críticos e estudiosos, mesmo aqueles que não tem o ángulo de visão adstrito ao que um escritos famoso denominou “estreitas pareoquias da sensibilidade”. O trabalho de Fellini atinge a resultados mais exponencias do que de Visconti.
Tal entretando não importa na conclusão de que a obra de um tenha menos “forma” do que a do outro, sòmente porque o diretor de “La Strada” possua mais sentimentos e Visconti é um homem frio, um mero “formalista”, como alguns o consideram. A expressão formalista envolve, aliás, uma certa ambigüidade, o que torna sua utilização, muitas vezes, veículo de malentedidos. Quando o têrmo forma se refere, como foi acima, qual consumação final de um processos de elaboração artística, que não se trata da simples contornação periférica da obra, ou das variações possíveis do aspecto físico de um formato, mas sim de constatar a significação de uma dada totalidade que se exprime através das relações entre os seus elementos componente. Forma, como contingência vital de uma obra de arte, não é uma forma física, assim como o objeto artístico e o espaço que ocupa não são reais, porém, virtuais. E, uma forma abstrata. A imagem criada pelo artista, mesmo quando se reporta a uma figuração do munto exterior quis estamos habituados, diz Susanna Langer que todas as formas em arte não abstratas em virtude de seu conteúdo ser apenas uma aparência e as formas das coisas reais surgem in abstracto, a sunsestência matérias da arte é uma abstração da existência material (“Feling and Form”, pag.51).
Daí, quando se fala em formalismo, deve entender o uso abusivo ou mal aferido de certos elementos, causando uma desconexão entre o conjunto de efeitos atuantes sobre a sensibilidade, uma ausência de isomorfismo. Mas, nunca, de que o artista tenha uma exagerada preocupação com a forma, pois, consciente ou intuitivamente, é ela a corportificação do sentimento expressado.
Entre os realizadores modernos mais conscientes nesse sentido estão homens como Oson Welles, Ingmar Bergman, Max Ophüls, ou, agora, Kubrick, e não aceitação do filme de alguns deles terá sempre critica baseada no desvio formalista. Trata-se do mesmo prisma de observação dos que estranham a a admiração de Kubrick por Oplüls, sem preceber que não é necessário amar a valsa para admirar o “travelling” empregado com mestria ou invenção.

Correio da Manhã
03/01/1959

 
Uma Odisséia de Kubrick
Revista Leitura 30/11/-1

As férias de M. Hulot
Jornal do Brasil 17/02/1957

Irgmar Bergman II
Jornal do Brasil 24/02/1957

Ingmar Bergman
Jornal do Brasil 03/03/1957

O tempo e o espaço do cinema
Jornal do Brasil 03/03/1957

Ingmar Bergman - IV
Jornal do Brasil 17/03/1957

Robson-Hitchcock
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - V
Jornal do Brasil 24/03/1957

Ingmar Bergman - VI (conclusão)
Jornal do Brasil 31/03/1957

Cinema japonês - Os sete samurais
Jornal do Brasil 07/04/1957

Julien Duvivier
Jornal do Brasil 21/04/1957

Rua da esperança
Jornal do Brasil 05/05/1957

A trajetória de Aldrich
Jornal do Brasil 12/05/1957

Um ianque na Escócia / Rasputin / Trapézio / Alessandro Blasetti
Jornal do Brasil 16/06/1957

Ingmar Berman na comédia
Jornal do Brasil 30/06/1957

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